𝐶𝐴𝑃𝐼́𝑇𝑈𝐿𝑂 𝐶𝐼𝑁𝐶𝑂

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     Após o confronto, fui compelido a enfrentar uma série de exames minuciosos, que culminaram em minha internação e num período de repouso nas instalações hospitalares. Com a cirurgia agendada devido à lesão no baço, minha vida foi engolida por um ciclo incessante de medicamentos e análises clínicas. Nesse interlúdio, algo dentro de mim se transformou: percebi que o universo que eu conhecia era apenas um fragmento das riquezas que a vida poderia proporcionar.

A jornada de recuperação revelou desafios tanto físicos quanto emocionais. Tive a companhia constante de um zeloso enfermeiro particular, chamado José, contratado pelo meu irmão Augusto. Meus dias se desenrolaram num palco de cuidados intensivos, onde as pontadas de dor eram aplacadas por elixires anestésicos e pela minha fiel confidente, a Risperidona, que me conduzia a um sono profundo, desvanecendo os limites entre mente e corpo numa dança hipnótica de sonhos e sensações.

Após alguns meses em total recuperação, meu regresso à clínica não foi dramático; ao contrário, parecia mais um retorno à realidade com o sabor amargo da derrota. As expressões dos demais pacientes, algumas carregadas de curiosidade e outras tingidas de zombaria, enquanto eu era transladado da ambulância para uma cadeira de rodas, não eram uma visão que eu ansiava. Sentia-me como se minha dignidade tivesse sido menosprezado, em paralelo aos pontos suturados em minha barriga e aos intrusivos tubos que agora compunham meu corpo. A tristeza e a desolação se entrelaçavam, e a sensação de que a hostilidade também encontrava abrigo naquele recinto conferia um tom predatório à atmosfera.

Guiado pelo atencioso enfermeiro José, tracei minha trajetória pela escadaria de madeira crepitante, desembocando em meu aposento. Foi ali que meus olhos se encontraram com os de Beni, meu verdadeiro e único confidente. Sua apreensão era palpável, manifestando-se por meio de seus passos compassados que imitavam os do auxiliar de saúde. Terapeutas e psiquiatras também dedicaram tempo para me oferecer visitas de consolo, almejando aliviar as turbulências de minha condição emocional. Não obstante, minha verdadeira ânsia era me recolher e mergulhar num sono profundo, na esperança de despertar meses ou mesmo um ano à frente, quando todos esses tormentos fossem apenas fragmentos evanescentes da memória.

Em meio a essa temporada de reclusão e solitude, aproveitei o ensejo para saciar minha fome de leitura e imergir nas minhas canções prediletas. A leitura de “O Homem ao Lado”, de Sérgio Porto, notório também como Stanislaw Ponte Preta, estava prestes a chegar ao seu clímax quando meus ouvidos captaram um sutil bater na porta do quarto, como se o visitante procurasse não romper a serenidade que eu tentava cultivar.

Tal batida ostentava familiaridade, sendo propriedade única de uma pessoa: meu querido camarada, Beni Um.

— E aí, Be? Posso entrar? Espero não estar te incomodando. Só queria passar para conferir como você está.

— Olá, meu amigo, entre, por favor! Sua presença sempre é agradável para mim. Sinceramente, estou sentindo uma aflição que permeia todo meu ser, com tubos pendurados em ambos os lados do corpo. No entanto, continuo entre os vivos. — repliquei, com um toque de ironia.

Benício entrou e se sentou ao meu lado, sua presença sendo um conforto silencioso.

— Pensei muito em você nesses dias. Cada dia sem saber como você estava foi uma tortura. — ele disse, com os olhos brilhando de emoção contida.

— Eu senti sua falta também, Beni. Você sempre consegue trazer um pouco de luz nos momentos mais sombrios.

Ele sorriu, triste, mas afetuoso.

— Ver você assim é difícil. Queria poder fazer mais para aliviar sua dor.

— Sua presença aqui já faz toda a diferença. — respondi, tentando conter a emoção que subia à superfície. — Só de saber que tenho alguém como você ao meu lado, me dá forças para continuar.

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