Uma Dose Amarga de Veneno

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Londres, 1835.

Maomao gostava de imaginar os bailes como enormes jardins, ou estufas, dependendo da época do ano. Todos aqueles vestidos e adereços esboçavam muitas semelhanças com a natureza, em parte porque ela conseguia enxergar a alta sociedade como um grupo selvagem e animalesco, mas também ia um pouco mais além.

As moças de vestido roxo pareciam flores de lavanda, que, se bem fervidas, viravam ótimos calmantes. Algumas usavam vestidos avermelhados, a flor de calêndula também era vermelha e era um excelente remédio para cicatrizes. Tons amarronzados lembravam um pouco a flor de hibisco, ótima para controlar a pressão arterial. Todo ano as moças inventavam alguma nova cor e Maomao, todo ano, associava as cores dos vestidos a uma erva medicinal. Era um bom treino para a memória e um passatempo estimulante.

Maomao não gostava da temporada de casamento, odiava com tanta força que uma vez chegou a ingerir o dobro da dose adequada de Valeriana somente para ter o prazer de entrar em coma durante os meses reservados ao mercado matrimonial. Ela tentou apelar ao lado emocional do pai, encenou um choro de quase três horas aos pés dele, mas não conseguiu adiar a ida a Londres. Na última temporada, até mesmo chegou a dizer que estava tendo um caso com um trabalhador da vila, o que se mostrou uma grande mentira, afinal como alguém arrumaria um amante se sequer gostava de sair de casa? Era uma mentira bastante vaga. Em resumo, aquela era a sua 4ª humilhante aparição na sociedade londrina em busca de um matrimônio. Ela era oficialmente uma grandessíssima solteirona.

Filha bastarda de um barão, Maomao não teve o mesmo privilégio que uma moça nascida dentro do casamento. Financeiramente não lhe foi negado nada: recebeu uma nobre educação, aprendeu idiomas, artes, dança, nunca passou fome ou se sujeitou ao trabalho braçal. Mas nenhuma fortuna apagava o preconceito ou lhe dava segurança de uma vida plena. No final, se o pai morresse, ela seria a primeira a ser despejada pelos herdeiros legítimos.

Desde o nascimento, ela viveu isolada no interior e por lá ficou durante toda a vida. O barão, seu pai biológico, deu ao mordomo todas as responsabilidades que um pai tradicionalmente exercia, e assim a figura masculina de mais alta autoridade se tornou alguém que sequer tinha uma gota de sangue em comum com Maomao. Mas ela não se importava, sequer sentia falta do genitor.

Curiosamente, Maomao não odiava o barão. Decerto, não tinham uma relação afetiva, mas o ódio não estava bem na lista de sentimentos que ela nutria acerca do pai. Também não o amava; era algo mais respeitoso, talvez uma gratidão um pouco mais terna do que o comum, afinal era graças a ele que ela tinha uma vida confortável. Eles não se viam com frequência, mas seus encontros escassos sempre foram agradáveis. Ambos eram assustadoramente parecidos e tinham interesses mútuos por jogos de raciocínio.

Maomao não esperava debutar na alta sociedade um dia. Bastardos não eram bem-vindos e, mesmo se ela sonhasse com bailes e vestidos pomposos, suas chances eram bastante limitadas. Por Deus, Maomao era baixa, sardenta, com seios pequenos e com pouquíssimos traquejos sociais. Além de visualmente não ser a mulher mais chamativa, ela não se alinhava a nenhuma idealização de nobreza. Seus interesses não eram muito ortodoxos.

A verdade é que não existia uma razão nobre ou uma origem genealógica que explicasse a imensa paixão de Maomao pela botânica para fins medicinais. Ela não teve um mestre ou alguém do qual pudesse se inspirar; ela só tinha dinheiro, disposição e tempo. O que já era mais do que suficiente para um gênio como ela.

Sua paixão prosperou rapidamente. Seus vestidos se tornaram 4 centímetros mais curtos para evitar as terríveis manchas de terra, nada de mangas muito longas ou sapatos altos. Estava terminantemente proibido comprar chapéus floridos depois do último acidente envolvendo abelhas, isso valia também para as cores dos vestidos: estava proibido qualquer cor que chamasse a atenção dos insetos. Havia manchas de terra no carpete, plantas exóticas em todos os peitoris das janelas do segundo andar, livros empilhados na sala de jantar e o escritório do barão foi totalmente desmontado para se tornar um laboratório.

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⏰ Última atualização: Jul 20 ⏰

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