Labirintos e Dentes

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Nas últimas semanas, tenho sonhado muito com dentes quebrados, labirintos, estacionamentos e batidas de carro. Esses elementos têm significados psicoanalíticos, e eu compreendo o que eles representam quando aparecem em sonhos. No entanto, além disso, tenho refletido sobre o que essas imagens trazem à tona em mim.

Nas últimas semanas, tenho refletido muito sobre minhas experiências com relacionamentos e as expectativas que criei em torno deles. Às vezes, me sinto frustrada por ter me aberto a tantas pessoas, conhecido suas histórias, me apaixonado e permitido que elas se apaixonassem por mim, mas não ter conseguido alcançar o tipo de relacionamento idealizado que tanto desejei. Imaginei o amor de muitas formas, mas a verdade é que nem eu esperava que ele aparecesse na minha vida da maneira como aconteceu. O mundo virtual, especialmente, teve um papel importante nisso, e muitas coisas boas surgiram graças a ele.

Por exemplo, se não fosse o Tinder, eu não teria conhecido o Marcelo. Às vezes, me pego pensando se deveria voltar para o aplicativo, motivada pelo "fear of missing out" (FOMO), já que conheci alguém especial lá. Mas o próprio Marcelo me disse que talvez lá não tenha mais nada para mim e que posso encontrar pessoas em outros lugares também. Essa incerteza me confunde às vezes, mas estou tentando entender melhor meus pensamentos e sentimentos.

Essas reflexões me levaram a assistir um vídeo de um neurocientista que argumentava que o livre-arbítrio é uma ilusão. Ele falava sobre como, muitas vezes, nos frustramos por não conseguir atingir metas que nos foram apresentadas como possíveis. Isso ressoou comigo porque cresci em um contexto familiar difícil, com pais distantes, abusivos e agressivos verbalmente. Meu pai gritava muito, e a agressão verbal era constante. Embora não fosse uma agressão física, causava danos profundos, talvez até maiores. A ausência emocional da minha mãe também foi algo que me marcou. Meus pais acreditavam que demonstrar amor por meio de presentes e suporte financeiro era suficiente, mas isso nunca supriu o que realmente faltava.

Ao refletir sobre o que o neurocientista disse, percebo que talvez o amor que idealizei seja inalcançável, especialmente por causa das complexidades da minha própria personalidade. Tive estresse pós-traumático, lido com dificuldades e fobias que tornam difícil para outras pessoas acessarem partes mais íntimas de mim. Apesar de ser expansiva e aberta, essas vivências criam barreiras que complicam a possibilidade de um relacionamento.

Além disso, sou neurodivergente e já passei por depressão. Esses detalhes me assombram e não desaparecem facilmente. Tenho um corpo não normativo, o que agrava meu estado mental em alguns momentos. A sociedade impõe padrões inatingíveis que geram violência diária contra nós mesmos, e isso só aumenta minhas inseguranças. Desde pequena, sofri essas violências, tanto de outras pessoas quanto de mim mesma. Meu pai me chamava de feia, o que acumulou ainda mais inseguranças. Tento ser gentil comigo, não me torturar tanto. Quero ser mais calma e agradável comigo mesma, sabendo do contexto difícil em que cresci e do que vivi.

Minha mente, às vezes, tenta me auto-sabotar, dizendo que não consigo ser amada ou ter o relacionamento que quero porque sou fracassada. Mas a verdade é que, se eu tivesse seguido o caminho que tracei inicialmente para mim, talvez eu não estivesse feliz. Talvez a felicidade seja o que estou vivendo agora: meu quartinho, minhas esculturas, minha profissão, os livros que gosto. Se eu sonhei em ser a pessoa que sou hoje, há alguns anos, e me tornei essa pessoa, posso considerar isso uma vitória.

Sei que sonhei em ser academicamente bem-sucedida, publicar artigos, ganhar bolsas, receber prêmios como o de Jovem Pesquisador. E eu alcancei tudo isso. Sonhei em ser a artista que teria seu nome em editais, que ocuparia museus, que ganharia dinheiro com arte e viajaria com o fruto desse trabalho. Hoje, sou essa pessoa. Tenho muito orgulho de quem me tornei e de quanto avancei. Foi uma trilha solitária em muitos aspectos, mas também recebi ajuda ao longo do caminho. No entanto, a maior parte desse esforço foi resultado da minha determinação e força de vontade.

Labirintos e DentesWhere stories live. Discover now