O belo adormecido

Rosas murchas

O príncipe já estava a mais de dez anos naquele estado.
Em sua cama, ao redor de um milhão de rosas como se fosse um sepulcro, embora ele estivesse quente e respirasse muito bem, sua coma era o motivo da tristeza do rei e da rainha e de todo o reino.
Princesa do mundo todo o visitaram na tentativa de acordar o belo Arthur, já que a profecia dizia que apenas um beijo de amor verdadeiro seria capaz de acordar-lo...
Todas falharam. Coisa que já revoltou muitos reinos e famílias de sangue azul.

Era mais um dia normal no palácio. A cozinha estava a todo vapor, quando Sofia percebeu que uma adorável figura escondido atrás da porta, encarando uma das travessas em cima da mesa.

Ela deu um pequeno sorriso e discretamente tirou um dos bolinhos de morango chegando perto da pequena princesa Delphine que vigiava eles com brilho nos olhos.

-Não quis o café da manhã denovo, não é Alteza? Só posso te dar um então não mostre a ninguém se não vai ter que dividir.-
Ela sussurrou entregando o doce para a menina, que saiu dali saltitando com o seu presente nas mãos.

Sofia, uma serva do palácio conhecida pelas suas sardas distintas e uma dedicação em tudo que a mandavam fazer (embora fosse considerada incompetente pela governanta) era responsável por várias coisas inclusive organizar o quarto do príncipe adormecido naquele dia.
Essa tarefa era antes administrada por um dos cortesãos mas atualmente não havia pessoas disponíveis, então felizmente esse trabalho sobrou para ela.

O quarto parecia vazio e frio com aquele silêncio e a roseira espinhenta que não parava de crescer e rastejar ao redor do cômodo não importa quantas vezes tentassem arrancar.
Ela começou a cortar os espinhos que cresceram demais enquanto cantava baixinho uma canção bonita e calma.
As vezes gostava de conversar aos sussurros com o príncipe e perguntar como ele estava.
Quem sabe ele pudesse escutar-la?

Com o buquê feito de flores escurecidas e galhos pontudos nos braços, Sofia não podia deixar de parar para olhar para ele.
Era muito doloroso ver-lo assim dia após dia...
A criada tinha sido ordenada para não tocar-lo, mas mesmo que estivesse acordado ele seria intocável.
Uma jóia preciosa que jamais deveria ser infectada pelas mãos sujas dela...

A mulher balançou a cabeça tentando tirar essa loucura da cabeça.
Desde os seus primeiros dias como empregada as vezes ela olhava para a alteza e se pegava sonhando acordada.
O que será que era isso?

Se perdendo no encanto de novo, Sofia olhou pela janela para ter certeza de que ninguém estava vigiando ela, e levemente passou as costas da mão na lateral do rosto dele.
Era quente e macio... Assim como ela imaginava...
O rosto tranquilo apenas esperando por alguém para acordar-lo...

Cada centímetro do seu corpo só queria quebrar as regras de uma vez.
Talvez essa fosse a última vez que ela teria essa oportunidade. Não era todo dia que conseguia entrar naquele quarto...

Ela se abaixou lentamente e deu um pequeno beijo na bochecha dele.
Se afastou com um suspiro, observando-o com atenção.
Nenhuma reação...
Já era de se esperar!

Voltando para os seus afazeres ela já saia do quarto quando ouviu algo mexendo na colcha de cetim.
Os olhos dele se abriram lentamente revelando um par de iris azuis como o oceano.

Ela rapidamente cobriu a boca com a mão e se afastou espantada ao ver seus olhos se encontrarem.
O príncipe lentamente se sentou na cama ainda atordoado e confuso, como se estivesse tentando entender o que estava ao seu redor. Ainda acordando do estado em que esteve por tantos anos e falou com a voz rouca.
-Quem é você?...

Sofia engasgou por um momento antes de se apressar para arrumar os travesseiros nas suas costas para que ele não se esforçasse. Aquilo era tão inesperado! Ela não sabia se ficava surpresa, preocupada ou alegre, mas tinha um sorriso estampado no rosto.
-M-Me desculpe... Você deve estar confuso...
Ela suspirou para se acalmar
-Meu nome é Sofia, sou sua serva e do palácio...
Vossa Alteza estava em um sono eterno a anos por causa da maldição!

Depois de um breve silêncio, como se as memórias ainda estivessem voltando a mente nublada dele.
-A quanto tempo estou dormindo?

Ela não queria responder essa pergunta, seria doloroso para ele... Mas um pedido da realeza era uma ordem.
-A uns dez anos, Alteza...

A informação caiu como um soco para ele. O quanto ele perdeu durante esse tempo? Como estava o seu reino? E os seus pais? Arthur passou a mão nos cabelos dourados atordoado enquanto tentava se acalmar, seus olhos voltados para o papel de parede azul marinho que estava perfeitamente intacto mas repleto de roseiras que se enroscavam como trepadeiras.
-Dez anos...

Uma dúvida surgiu na sua cabeça e ele se virou para a empregada como se finalmente tivesse notado a presença dela.
-Mas... Como foi que eu acordei? Foi você que me acordou, não foi? Como?

Sofia juntou as mãos nervosamente.
-E-Eu não sei! Eu só...

Ele estreitou os olhos e a interrompeu com uma expressão rígida.
-Você me beijou, não foi?

A expressão dele a fez desmoronar, e quando ele menos esperava a mulher estava ajoelhada diante dele, completamente desesperada.
-M-Me desculpa, por favor! Eu não tive nenhuma intenção, eu juro! Me desculpa! É que me doía tanto te ver daquele jeito todo dia, eu só quis tentar... Eu não quero nada em troca, tem a minha palavra!

Henri olhou para Sofia com uma pontada de culpa, meio perplexo com aquela reação.
O príncipe colocou a mão na cabeça dela, chamando a sua atenção.
-Você... Está pedindo desculpas por me livrar da maldição?

Sofia levantou a cabeça um pouco surpresa, se acalmando lentamente e desviou o olhar.
-É que... Fui ordenada a não tocar em você... Achei que ficaria bravo...

Ele sorriu e balançou a cabeça achando a resposta dela tão ingênua... Era fofo.
-E você realmente se ajoelha esperando por um castigo ou coisa do tipo?

A serva olhou para os lados meio sem jeito e se levantou, se perguntando se aquilo realmente era uma pergunta ou não.
-S-sim...

Ele riu baixinho cruzando as pernas sobre a cama, pensando um pouco...
Porque ela?
Não era possível que durante todo esse tempo milhões de mulheres não tenham tentado acordar-lo, então... Porque justo ela?