Capítulo 1 - A segunda Desventura

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Dez horas da manhã.

O céu estava nublado, mas tinha um calor inexplicável que rondava o ambiente e a umidade tornava o ar pegajoso. Era quase sufocante.

Do carro que acabara de estacionar, saíam duas mulheres de meia idade extremamente parecidas. Crescidas juntas, de fato você poderia supor que seriam irmãs, entretanto era um mero caso de coincidência. A mais nova entrou primeiro ao seu destino quando a outra sinalizou sua permissão com um olhar, precisava de mais um tempo para se preparar.

Um. Inspira. Dois. Prenda o ar. Três. Expira.

Ela repetiu o processo três vezes até perceber que atraía olhares preocupados de dentro. Suas mãos tremiam. Seus batimentos geravam uma sensação contraditória; ao mesmo tempo que se assemelhavam a um tambor, parecia não haver nada além de um buraco em seu peito. Parte de si estava lá dentro, a sua mórbida espera.

Fechou os pulsos até suas unhas cortarem a pele. Um. Dois. Três. Um. Dois. Três. Chegara a hora. Enquanto adentrava naquele cômodo só uma coisa pairava na mente nebulosa de Sara.

Isso não é natural.

Depois de alguns comprimidos, seu raciocínio era tão lento que ela nem se lembrou que há pouco mais de dois anos estivera neste mesmo local, na sala ao lado da qual habitava neste exato segundo. Se ela lembrasse, talvez a dose cavalar do calmante que tomara não seria mais suficiente.

Os demais presentes, cientes do contexto, receavam que a memória lhe retornasse a qualquer minuto e agravasse a situação. Talvez por esse motivo o silêncio, usual da situação, parecia mais opressor do que nas demais salas do ambiente. A tensão era tanta que os ombros de todos pesaram de uma forma que a aparência corcunda era unânime, como se a tristeza criasse fortes mãos que conseguiam moldar os corpos ali presentes, deformando o barro que os compunham.

Não é natural.

Às vezes me questiono se o tempo de fato é relativo ou se não seria relativa nossa percepção sobre ele. Olhe para o relógio e espere passar um minuto. Fácil? Mergulhe sua mão em água congelada e espere pelo mesmo minuto passar. Já não parece tão tranquilo, certo?

A dor dilata nossa percepção do tempo.

Para Sara, tudo e todos pareciam estar em câmera lenta. Os detalhes do ambiente chamavam cada vez mais atenção. A lâmpada branca led iluminava o centro da sala. O chão de mármore parecia ter sido limpo de maneira fajuta, provavelmente não esperavam movimento tão intenso em uma terça de manhã de maio. Iluminando a parede, havia pequenos pontos de luzes amarelas que não deveriam estar ligados a essa hora. Buquês e coroas de flores rondavam o ambiente, só uma única coisa na arrumação a incomodava verdadeiramente.

Flores brancas...

Nunca gostara delas, muito menos ele. Amarelo sempre fora a cor favorita dos dois. Cor do sol, do calor, da vida... Dos girassóis. 

Não é natural.

Claro que não. A lei mais básica dos seres humanos ser violada desta forma é, no mínimo, perturbador. Existem dores que são fáceis de superar. Outras, apesar de irem embora, deixam suas eternas marcas. Mas esse tipo de dor é aquele que, para muitos, incapacita pelo resto da vida. Não vai. Encalha. Fica. Engasga. No mínimo, você já deve ter visto rastros no olhar de algum conhecido.

Como Sara pensava, de fato, essa não era uma situação natural.

Isso não pode estar acontecendo.

Ora, caro leitor, não vou desmerecer vossa inteligência. Então creio que não preciso entrar em detalhes do que estava acontecendo nem da relação de Sara com aquele que é o foco da minha narrativa. Seu nome é Luiz. Ele ocupava o centro daquele espaço, sendo a atração principal, como sempre fora em todos os eventos de sua breve vida, desde que aprendera suas primeiras palavras.

Um Abismo em NósOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz