Capítulo 2 - Voltando no tempo

28 5 81
                                    

Vamos voltar até o ano de 2004

Primeiramente, devo desculpas por interromper minha prévia narrativa, mas preciso que você, leitor, compreenda bem o que aconteceu aos meus protagonistas ao longo de suas vidas. Prometo, piamente, contar todos os detalhes que eu detiver, afinal não almejo criar um novo debate a la Capitu – ou sequer tenho competência para tal. Apenas me recuso a ser promotor ou defensor dos meus personagens. A culpa ou inocência de cada um caberá somente a você.

Leitor, na verdade, para deixar as coisas mais intrigantes - caso a história não lhe cative o suficiente -, tenho um desafio a lhe propor. Eu estou nesta história, em parte, a minha história. Não sei se sou homem ou mulher, bom ou mau, minha voz não vai ser lida. Todavia, eu apareço entre essas palavras. Será que você seria capaz de me achar?

Dito isso, permita-me te levar para o início dos anos 2000. Que época! Os carros coloridos, trânsito mais comedido, o boom tecnológico - com celulares ficando cada vez mais acessíveis -, as inúmeras comédias românticas tão bobas e ilusórias que permearam o imaginário popular... Início de um novo milênio que nutria sonhos sobre o quão avançados estaríamos no amanhã. 

Nesse cenário era factível ver crianças brincando nas ruas que ainda não eram asfaltadas de seus bairros e os mais velhos se aglomerando nas calçadas para fofocar da vida alheia. E, talvez - e é realmente um mero talvez -, algum desses pares de olhos intrometidos tenha capitado o que vou lhe contar agora.

Um jovem rapaz não mais interessante do que qualquer outro rapaz, ao voltar do seu primeiro emprego não mais interessante do que qualquer outro emprego, vê uma jovem mais pitoresca do que qualquer outra já vista esperando na parada do ônibus com tamanho acaso que o surpreendeu. 

Não soube explicar a priori o motivo de tamanha comoção. Porém, ao observar ela por mais de cinco minutos, conseguiu entender que, além de toda beleza física que o encantou, ela se movimentava como se dançasse a miúda, perdida em seus devaneios. Aquela mulher sorria lendo "O Código Da Vinci" e usando apenas um dos dois fones, seu MP3 guardado no bolso traseiro do jeans apertado.

Por, ao menos 10 minutos, nenhum ônibus passou. Ora, o jovem poderia a perder de vista a qualquer minuto por agora. Todavia, a timidez do rapazote não o deixava ir em frente. Que trouxa! Podia quase escutar a voz de sua irmã zombando. Tentando criar coragem, ele se pôs em um desafio. Caso o primeiro ônibus chegasse e ela não embarcasse é porque era um sinal divino, então teria que falar com aquela mulher de cabelo longo ébano que alcançava o cós do jeans.

E lá estava. 1525. Levava para a zona mais precária da cidade. Era o ônibus dele. Mas o jovem sequer notou, reparando se ela ia entrar nele ou não. Ora! A aposta dele consigo não era se o ônibus fosse para si. Era para ela. Não estava trapaceando! Ou era isso que ele tentava se convencer.

A mulher não embarcou.

O destino deu seu aval. Não mais se contendo, decidiu agir antes que o próximo ônibus agisse primeiro e findasse esse romance platônico que cultivava no seu desejo. Ele se aproximou de maneira desajeitada, tentando pegar qualquer informação no livro para puxar assunto.

- Dan Brown. - Ele ficou confuso se tinha pronunciado correto. - É bom?

- O livro ou o autor? - A mulher abriu um leve sorriso, olhando-o de cima a baixo. Um barulho chamou sua atenção. - É bacana, estou gostando. Meu ônibus. Até.

- E-eu também pego esse. Fala do quê tanto? O-o livro?

Ela ficou surpresa com ele. Nunca o vira até aquele dia. Era até um rapaz bonito, constatou. Uma camisa social, calça jeans, sapatos limpos. Verdade que a mochila gigante que carregava era meio surrada, mas a vida de ônibus não era fácil. Aquele cara não parecia pertencer àquele ambiente, tal qual ela própria.

Um Abismo em NósOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz