Lembre-se de nós

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A campainha tocou quase no fim da tarde. Lembrava daquele som como se fosse parte do próprio corpo. Ouviu seu pai atender à porta e convidar alguém para entrar. Não demorou muito, escutou também o barulho que dois pares de sapatos faziam ao subir as escadas para o segundo andar da casa de sua infância.

Antecipando-se à movimentação, fechou um pequeno caderno de capa de couro onde fazia anotações que desejava não esquecer. Pousou a pena na mesa e levantou-se para abrir a porta do seu antigo quarto.

– Filha? Podemos entrar? Fleur chegou.

Há exatos dois meses, sua ex-namorada estava cuidando das sequelas do ataque em Hampstead. Vinha religiosamente todas as terças, sextas e domingos. Fazia testes e estimulava alguns pontos do seu cérebro com feitiços médicos que somente mãos treinadas como as dela poderiam realizar.

Ainda não sabia descrever o que sentia ao olhar Fleur esperar dela uma reação que não mais reconhecia. Sua memória, afetada pela maldição do punhal, estava embaralhada, confusa. Às vezes, piscava os olhos e era como se tivesse quinze anos; noutras, pensava estar casada com Rony. Já acordou também achando que estava no acampamento improvisado com Harry, em busca das horcruxes.

Hermione deixou que a medibruxa entrasse. Todos concordaram que seria proveitoso que passasse um período com o pai. Ficar sozinha em Londres não seria a melhor opção dada as circunstâncias.

– Oi, amor – Fleur se esforçava para deixar suas emoções fora de alcance. – Como você está hoje?

– Ainda ouço o zumbido no fundo da minha cabeça...

– Vou dar privacidade a vocês. Qualquer coisa estarei lá embaixo – dizendo isso, o Sr. Granger fechou a porta e se retirou.

– Intermitente?

– Piora quando estou ansiosa, cansada. Minha cabeça lateja quase o tempo todo. – Hermione sentou-se na cama.

Fleur abriu a bolsa e puxou um pequeno e fino aparelho mágico. Observou os olhos de Hermione bem de perto, tomando um esforço maior para não tocá-la mais que o necessário.

– Você precisa pegar leve. Descansar. Está relacionado ao esforço que você tem tentado fazer para se lembrar...

– Fleur, quando isso vai passar? – Hermione estava irritada.

– Eu não tenho essa resposta, Mione. Ainda estamos entendendo as consequências do choque. Você sobreviveu a uma maldição lançada pelo próprio Slytherin...

– Eu preciso de um prazo! Um dia, uma hora!

A francesa observou a reação impaciente da namorada. Queria abraçá-la e dizer que ficaria tudo bem. Que estaria ao lado dela o tempo que fosse necessário. Mas achou melhor guardar essas palavras junto ao ardor na própria garganta.

– Não sabemos. Você pode se lembrar das coisas amanhã, daqui a uma semana... um mês, um ano... Ou talvez precise conviver com isso.

Os olhos de Hermione capturaram os azuis profundos da mulher à sua frente. Sabia que deveria estar sentindo alguma coisa por ela, só que não estava. Era vívido nas suas lembranças o abandono, a covardia e a irresponsabilidade da Fleur que namorou no passado, quase como se fosse recente.

– Tenho anotado os meus sonhos como você pediu que eu fizesse.

– Algo fora do comum?

– Parecem imagens que não fazem parte de mim. Eu não me reconheço nelas...

– Isso significa que as suas memórias estão aí dentro da sua cabeça. Você só está desconectada, desassociando...

– Eu sinto muita raiva de algumas coisas que me contam. E me pergunto o porquê delas... o tempo todo.

Cold Fame [FLEURMIONE]Onde histórias criam vida. Descubra agora