II

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O barulho do ar condicionado antigo da sala do delegado era ligeiramente agoniante. Eu estava inquieta, cansada e preocupada. Com o celular mão, eu tentava me acalmar enquanto trocava mensagens com minha mãe.

> Ela já acordou?

> Você pode ficar despreocupada. Assim que você me ligou eu corri pra cá e mesmo com toda a gritaria e desespero, ela nem se mexeu.

> Isso é a melhor coisa que eu poderia ouvir hoje.

> Ela dorme feito você nessa idade. É algo que eu nunca perco a oportunidade de dizer.

> Mãe, o delegado acabou de aparecer com o Josh. Assim que eu estiver indo, vou ligar.

Desligo o celular. Como sempre, Josh salvou minha pele com um sorriso nos olhos.

-Boa noite Sr. Will & Sra. Lee. Ou devo dizer, boa madrugada? - O delegado parecia gentil em seu tom de voz.

- Boa noite. - respondi.

- Josh me contou brevemente sobre a situação que temos aqui.

- Ótimo. A situação é que as inúmeras queixas que tenho contra esse homem não são suficientes para manterem ele longe de mim, e da minha filha.

- Ok senhora. Sou recém chegado nesse departamento e minha secretária já foi pra casa. Pode me resumir? - De canto de olhos, vi Jack sentado na cadeira ao meu lado, com o deboche típico no olhar.

- Quando nos casamos, ele demonstrou ser um completo delinquente. Ainda grávida prestei dezenas de boletins de ocorrências. Agressão, estupro e múltiplas violências. Passei os últimos 15 anos lutando na justiça. Mas, ele sempre volta com sua mania de perseguição.

- Tudo bem. Sei que seu dia deve ter sido longo, então vou liberar ambos. Mas fique tranquila, eu e o Josh aqui vamos garantir que esse tipo chato de coisa não aconteça novamente.

Mais insatisfeita que o normal, voltei pra casa. Encontrei minha mãe na cozinha, fazendo seu precioso macarrão instantâneo.

- Uau! Velocidade record! Pensei que dessa vez, algo seria diferente.

- Eu também. Mas, a justiça ainda não mudou. - Reclamei, antes de soltar um bocejo. - Vou subir. Acho seguro dormir com ela nas próximas noites.

        
- Ainda com a roupa do serviço, me deitei no resto do cantinho que havia de sua enorme cama. Saphira ou somente Saph, era a jóia mais preciosa que eu tinha. Com toda aquele problema, seria uma baita tolice mentir e dizer que eu não sentia medo. Enquanto ela descansava seu belo e pequeno rosto no travesseiro cor - de - rosa, eu fazia um grande esforço pra não me lembrar do quão perigoso e noscivo jack era. Longos 15 anos apanhando, sofrendo e lutando. Nos 12 finais, ela foi o motivo da minha sobrevivência. Não posso evitar chorar em me lembrar tantas vezes em que me ajoelhei em seus pés, e implorei para que ele mudasse, por nós duas. Jack sempre fez o possível para piorar e me odiar. E mesmo eu tendo me esforçado tanto para garantir minha paz, meu sucesso e minha vida, ele ainda é uma ameaça e faz cada fio de cabelo meu estremecer? Toda essa situação era extremamente frustrante. Eu havia garantido em cada segundo que eu ganhasse tudo, e ele perder tudo foi uma ótima coincidência. Mas, parece que eu havia acabado de notar que tudo tinha sido em vão.                                                                                                                                                                                                                                                       

E assim, eu dormi naquele cantinho minúsculo, mas me certifiquei que quando eu acordasse, ela ainda estaria lá e Jack - o nojento egoísta - em qualquer outro lugar que não fosse aqui.

Dito e feito. A manhã chegou mais rápido do que eu previ. Agradeci ao universo por estar sendo incomodada pelo sol quente de um sábado. Não importa quanto me incomodasse, Saph nunca acordaria tão rápido.

Desci rapidamente e tomei uma boa ducha quentinha. Mamãe já estava na cozinha, passando seu café delicioso.  Ao terminar o banho, trato de chamar sua atenção por isso:

- Mãe! Já lhe disse algumas vezes que não precisa fazer isso, certo? - reclamo, me aproximando dela na mesa.

- Não adianta. Sei como é o gosto do seu café e garanto que todos nessa casa vão preferir o meu. - Des de que papai faleceu, minha gentil mãe tem buscado desesperadamente distrair sua cabeça. E as vezes, eu me culpo por não gostar que ela gaste suas energias aqui, em casa.

- Que seja. Você é a pessoa mais teimosa que eu conheço mesmo. - sorri.

- Preciso dizer o mesmo ou fica óbvio? - gargalhou. - mas vamos lá... - seu semblante escureceu. - ontem naquela correria você nem conseguiu me contar o que aconteceu.

- Mãe, foi complicado. Ele chegou antes que eu estivesse. E nós duas sabemos bem que ele não a considera em nada. Ele faria qualquer coisa pra me atingir, e isso inclui machucá-la. - Tomei uma xícara no armário e me sentei na mesa.

- Deve ter sido difícil olhar nos olhos dele. Já fazia quanto tempo?

- Na minhas contas, uns 3 anos. Ele andava fugindo de mim, ou pelo menos era o que eu pensava. - Coloquei café na xícara e trouxe à boca.

- E o que você acha que ele queria? - mamãe se sentou ao meu lado.

- O de sempre. Dinheiro e prazer em me ver obedecendo. -  falar e admitir aquilo era cruel demais para mim.

- Sabe. Nesses momentos, mais do que nunca, eu sinto saudades de quando você era um bebê. - mamãe sorriu, quase emocionada.

- Pela Saph, posso afirmar que o tempo passa tão rápido. - sorri, do mesmo jeito.

- Seu pai sempre gostava de dizer que você foi a criança mais ativa que já existiu. Nunca te víamos quieta, exceto quando dormia. Sempre puxando os copos da mesa, queimando a mão no forno e correndo atrás das galinhas no quintal enorme da fazenda. - gargalhou, e eu não pude resistir em gargalhar junto.

- Nesse ponto, eu falhei totalmente como mãe. Minhas lembranças com Saph pequena são difíceis de falar. Pela dor, minha cabeça eliminou essas memórias e eu estava tão preocupada que tudo passou em segundos. - o café de mamãe me consolava naquele turbilhão de arrependimentos.

- Você não aproveitou como deveria. É uma pena, mas é compreensível. - mamãe deu um tapinha nas minhas costas. - É engraçado. Quando você tinha a idade dela, eu acreditava que quando crescesse e formasse sua família, os perigos seriam menores... - ela riu.

- Nem existiam naquela época. Meus sonhos eram lúcidos, e era tão bom. Tudo era colorido e os meus fantasmas eram inofensivos.

- Como eu ria de você! Acordava e contava tudo com tantos detalhes! Ainda me lembro de tudo. Garotos perididos, Peter Pan!

- Ah! Eu ainda me lembro de cada detalhe do rosto dele! Como pode? Lembro de quando eu completei 15 anos e os sonhos não aconteciam mais.

- Você chorou aquele ano todinho. Depois, esqueceu.

- Nunca! Nunca esqueci de nenhum detalhe que "vivi" na terra do nunca. - sorri, me lembrando de tudo aquilo que minha mãe não sabe sobre aquele lugar que minha cabeça criou.

O resto do dia foi tranquilo. Mamãe não saiu do meu lado nem que fosse por instantes, e eu era grata por isso. O dia seguinte, eram vésperas do aniversário de 12 anos de Saph. Enquanto ela tomava banho de piscina, eu e mamãe discutíamos em como comemoraríamos esse ano.

- Que tal somente um bolinho? - sugeri.

- Wendy! Essa garota precisa aproveitar essa fase. Um bolinho? Talvez. Mas ela precisa brincar até na lama amanhã. Chama as amiguinhas do colégio, faz sanduíche de atum com suco de maracujá. Essas coisas que crianças adoram.

- Não sei... Saph nunca me comentou sobre nenhum amigo. Ela se parece mais comigo do que eu gostaria.

- Que opções ela tem? Era puxar você ou o pai delinquente. - Minha mãe tinha o dom de fazer até os momentos difíceis serem engraçados e leves. Com ela, o riso era garantido.

O resto da tarde foi de organização de mini festa e risadas e assim, a noite chegou.

Farewell, neverland - Choi Yeonjun Onde histórias criam vida. Descubra agora