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Eu nunca tive facilidade em exatas. Desde a soma e a subtração do primário, até as funções logarítmicas que me atormentam no ensino médio. No entanto, há um conteúdo que  aprendi à poucos anos, nunca deixou minha cabeça e que me fascina: as dízimas periódicas. Para converter uma fração em um número decimal, é necessário dividir o numerador pelo denominador da fração até obter um resto nulo. Porém,  em alguns casos, o "resto nulo" não chega nunca, e em vez disso o quociente da fração é uma dízima que se repete infinitamente. Você deve se perguntar o motivo de um adolescente que odeia exatas gostar de dízimas periódicas. A resposta é simples: eu considero a minha vida uma dizima periódica. Mesmo que eu tente mudar a sequência dos números dela, eles permanecem os mesmos. Mesmo que eu tente mudar a rotina, meu jeito de andar, de me vestir, mudar a forma com que como um hambúrguer BigMac, ou até mesmo mudar meus argumentos sobre a revolução nazista na segunda guerra mundial eu continuarei sendo o mesmo. O mesmo Brandon P. Johnson. A mesma dízima periódica.

Brandon P. Johnson. Brandon Phillipe Johnson? Brandon Paul Johnson? Brandon Parker Johnson? Na verdade, nem eu sei. Quando completei oito anos fiz minha primeira carteira de estudante na antiga Walt Whitman High School, e os documentos necessários para tal eram certidão de nascimento e documentos pessoais do responsável. Até então, eu achava que meu nome era composto apenas por "Brandon" e por "Johnson", e foi aí que descobri o "P." em minha certidão. Quando cheguei em casa perguntei para minha mãe o significado daquela letra aleatória em meu nome e ela me respondeu com uma frase de Shakespeare:

- "Meu querido, há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia."

Eu nunca soube o que ela quis dizer. Digo, eu nunca sei o que ela quer dizer. Minha mãe sempre gostou de citações, enigmas e dogmas, mas começou a usá-los frequentemente após a morte de meu pai, há doze anos atrás. Ele também era adepto de citações. Eu era apenas uma criança, tinha quatro anos, e na época ele estava me ensinando a andar de bicicleta pelas ruas do nosso bairro na Califórnia, até que recebeu uma ligação de alguém que desconheço. Na mesma hora ele entrou correndo em casa comigo no seu colo, me deixou com minha mãe e começou a fazer as malas. Minha mãe começou a chorar e eu fiquei sem entender o que estava acontecendo. Meu pai, após terminar de arrumar suas coisas, fez alguns telefonemas e chamou um taxate. Sim, ele disse "taxate". Depois disso fomos os três para fora de casa e ficamos esperando a chegada do tal taxate.

-"É uma viagem curta. Papai vai apenas dar um passeio. Eu prometo que lhe trarei presentes Brandon." - meu pai forçava um sorriso - "treine suas pedaladas, que quando voltar eu quero ver você como o melhor ciclista de toda a Califórnia".

-"Papai, você vai para que lugar?"

-"Meu filho, como dizia Aristóteles,  a dúvida é o princípio da sabedoria." - após isso ele me deu um abraço longo, aconchegante. Um abraço de pai. Naquele momento eu senti que algo o preocupava. Eu lembro que suas batidas no coração eram intensas. Ele me abraçou como se aquele abraço fosse o nosso último. Sinto hoje dizer que foi.

Depois de minutos longos abraçados ele me soltou, e ficou um tempo com minha mãe que insistia a chorar. Em seguida o táxi,  digo, o "taxate" chegou. Naquele momento eu entendi o porquê de "taxate". Era um carro pequeno, engraçado, com cantos redondos, e... vermelho. Parecia muito com um tomate, e completando a semelhança, a placa em cima dele era verde.
-"Papai, por que esse caro parece um tomate?" - assim, não é sempre que se vê um táxi vermelho. Geralmente, eles são amarelos.

Nesse momento meu pai começou a me olhar espantado, me abraçou novamente e disse:

-"Você realmente enxerga ele como um tomate, Brandon?" - assenti - "Meu filho, você é mais do que especial" - disse  ele, enfatizando o 'mais'.

Meu pai sempre dizia que eu era especial. Que um dia, eu iria ajudar o mundo, que eu seria um herói.  Mas nesse dia, ele disse que eu era mais que especial. Por quê? Porque eu por acaso vi um carrinho estranho e vermelho. Após todo esse momento, ele disse que nos amava e entrou no taxate. Dois meses depois, um homem alto, bem gordo e usando uma cartola preta com um laço vermelho em cima bateu na porta de nossa casa trazendo a notícia da morte de meu pai. Ele se apresentou como Sr. Mazzone.

-"Thomas foi um grande homem, Brandon. Ele morreu para salvar o mundo. Seu pai foi um herói." - ele deu uma pausa.  Percebi que seus olhos estavam inchados, provavelmente ele teria chorado ao receber a notícia. Creio que ele era amigo de meu pai. -"Digo, seu pai é um herói,  ele sempre será. Saiba Brandon, você será um herói também."

-"Meu pai dizia que, um dia eu salvaria o mundo. Ele também disse que eu sou mais que especial." - nesse momento eu ja havia caido em lágrimas. Era estranho falar dele no passado. Para uma criança, receber a notícia da morte de um pai é algo muito terrível. Para qualquer um é.

-"Brandon,  a grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê - las." - Hoje sei que ele citava uma frase de Aristóteles. Mais um fascinado por citações e enigmas. - "Você irá crescer, vai estudar, se esforçar, e tenho certeza que em um toque de mágica será o herói que tanto almeja ser".

Mesmo depois de anos, eu nunca esqueci desse Sr. Mazzone. Nunca esqueci das palavras que me disse. "Em um toque de mágica será um herói". Infelizmente eu com dezesseis anos, ainda não sou um herói. Talvez para minha mãe, e para a minha irmã Sam, que nasceu quando minha mãe descobriu que estava grávida de meu pai depois dele merrer. Talvez para elas eu seja herói.
Talvez. Talvez. Talvez.

E é assim que segue a minha vida. A mesma vida desde a morte do meu herói. A mesma dízima periódica.

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⏰ Última atualização: Jul 09, 2015 ⏰

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