Capítulo 17

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HEYDRICH BARUCH

Tulipa, é sempre racional, e confiante. Ela é sincera até quando é para explicar o inexplicável. Ela diz que matou muitas pessoas, mas tenho a certeza de que se o fez não foi com intenção assassina. Quando fui acolhido pela família dela, ela fez questão de me dar um sermão de como a vida humana é importante. Quando matei aquela criança possuída no vilarejo, seus olhos se abriram num horror, e não foi por ter medo de sangue ou de cortes. Era como se quem tivesse matado aquela criança tivesse sido ela. Como se suas mãos estivessem sujas de sangue, e quando se afastou de mim, era como se estivesse tentando limpar as manchas de sangue.

Mas, uma vez vi esse olhar.

Ela se vê como se fosse um monstro sanguinário. Mas, eu não a vejo assim, ela é uma tulipa de pétalas amarelas que brilha com o calor do sol.

-- Não foi sua culpa.—eles estão mortos já faz alguns dias, pelo estado de decomposição em que se encontram. Não é culpa dela porque quem fez isso não fez questão de apagar seus rastros, deixando propositalmente, a insígnia do brasão real.

-- É minha culpa sim. Meus pais me avisaram para não causar problemas. Eu não devia tê-los deixado sozinho. As tantas Netuno veio aqui e os matou por eu não ter aceitado ir com ele. Ou talvez isso seja fruto da minha mente, uma punição por todas as famílias que deixei sem parentes. Isso não é real. Isso é só fruto da minha imaginação.

-- Tulipa. Você está se ouvindo. -- a sacudiu pelos ombros.

-- Eu estou ficando louca.

-- Tulipa.—puxei-a para um abraço, e seu choro se intensificou.

-- Ainda sou assombrada pelas memórias do meu passado. Eu estou tentando me reerguer. Pedaço por pedaço. Eu só precisava de mais um pouco de tempo. Eu sou humana, cometo erros, e sou tola. Mas, não podem dizer que eu não tentei. Eu tentei resolver tudo. Tentei dar um novo rumo a ela e a mim. Mas, eu não consegui. Eu falhei. Lá no fundo eu ainda estou presa ao meu passado, eu tentei preencher o vazio da minha alma com o amor que eles me deram, mas não fui capaz de fazer nada para mudar seu destino.

Não entendi muito bem o que ela quer dizer com destino. Mas, não a questionou. A deixo desabafar. Depois que ela se acalma, ela me pede para lhe ajudar a movimentar o corpo de seus pais. Após achar ligaduras pela casa, os embalo, e de seguida, faço uma cova grande onde jogo os corpos deles. Quanto a casa deles duvido que ela queria queimá-la, parece ter um grande apego emocional a si mesma. Enquanto ela colocava flores no túmulo de seus pais. Tomei a liberdade de limpar a casa e tirar os vestígios de sangue da casa.

-- Muito obrigada por me ajudarem. -- seus olhos estão inchados e sua voz arranhada.—Sei que não é do seu feitio.

-- Sei que ainda está triste pela morte de seus pais, mas gostaria que me explicasse algumas coisas. -- ela acena cansada. -- você falou que não conseguiu salvar a eles, a ela e a ti. Você sabia o que iria acontecer? Quero saber como e porque, e dessa vez, quero toda a verdade. Sem omissões.

-- Tudo bem. Também já não adianta nada. Vou acabar morrendo de um jeito ou de ombro, não vejo um futuro para mim. Eu recarreguei, como já havia dito. Mas esse corpo, essa família, não me pertence. -- ela puxa o ar. suas narinas estão entupidas—não sei como mais esse seu modo voltou no tempo. Eu despertei com todas as lembranças que dona original desse corpo. Em outro tempo, os pais dela também te acharam na mesma situação, cuidaram de ti e depois você foi embora. Você e ela não chegaram a falar, porque ela tinha medo de ti. Ou dos boatos que corriam sobre ti, sobre o uso monstruoso que você era, e como se livrava das pessoas com muita facilidade. Essa família teve uma vida pacífica até ela fazer dezoito anos, apesar da fome da peste, e da ditadura de Lamech. E nessa época ele convocou todas as moças com idade para se casar. Tulipa foi escolhida pela sua beleza exótica, para a esposa se casar com Keron. Keron não tinha nenhum interesse por ela, não a tocou e apenas a deixou abandonada em seus aposentos. Até o dia que você reapareceu em sua fúria. Matou toda família real, e afundou todo o reino no oceano. Isso é tudo que eu sei.

- Então duas almas convivem em um só corpo?

-- Não. Eu não sei onde está a alma de Tulipa.—Fiquei em silêncio, analisando tudo que ela disse. Como isso pode ter acontecido? E porque?

-- Então você mal sabe de todos os meus erros. Você só sabe que no final eu destruo tudo.—ela acena.—Tudo bem. Você devia descansar. Hoje foi um dia puxado.

-- Sim.—ela se levantou da cadeira. -- Você não vem?

Levantei-me a seguir até ao quarto. Ela deitou-se de costas para mim. E eu fiquei pensando no que eu deveria fazer a partir de agora. Ela tentou, fez seus possíveis, para mudar o rumo da história, incluindo de arriscar até que a arma de fogo fosse criada. Acredito que para resistir contra a tirania de Lamech.

Eu nunca quis o trono, e muito menos me preocupei com o povo. Contando que eu e minha mãe estivessem bem, o mundo poderia se afundar que eu não iria me importar. Mas, agora eu me importo com ela. Me importo em como ela se sente. Prefiro quando ela é irritante e faz piadas sem graça. Ela é forte mas deve estar cansada de lutar sozinha e não ter em quem se apaixonar.

Deve se sentir estranha, em um corpo que não é originalmente seu, e um mundo que não lhe pertence.

Presa num conflito que sequer lhe diz respeito, mais lhe afeta tanto diretamente.

REENCARNEI COMO A ESPOSA ABANDONADA DO TIRANO-IMPERADOR DA ÁGUAOnde histórias criam vida. Descubra agora