Outra Vida

Prólogo

Algum dia você já sonhou com alguém que você, possivelmente, nunca viu antes? Tem essa garota, cabelos ondulados pretos, olhos de mel e pele parda, ela também é mais alta que eu. Ela é a garota mais linda que eu já vi. Eu fico triste por nunca ter a visto, como é possível me apaixonar por alguém que nem sei quem é? Eu nunca vi ela, nunca a cheirei, mas tenho certeza que ela tem cheiro de morango, nunca escutei sua voz e não consigo nem imaginar como é... Ela nunca fala comigo nos sonhos.

Ouvi batidas na minha porta.

- Vitória, espero que já esteja acordada. -Gritou minha mãe.

- Vivi, a gente vai sair! -Disse Sophie, dando um gritinho animado depois.

Sai da frente do computador, que estava ligado num site de significado de sonhos -porque eu precisava saber o que sonhar com essa mulher significava-, andei até a frente do espelho, eu sabia que estava vestindo uma roupa bonitinha para a ocasião, mas é sempre bom checar antes, certo? Estava vestindo uma calça moletom verde musgo -longe de mim usar um jeans, ficam horríveis nas minhas coxas grossas -, uma blusa cavada preta de gola alta e meus tênis all-stars de sempre, que estava todo acabadinho de tanto que eu usava o coitado.

Sai do quarto, minha irmãzinha estava de joelhos no chão da sala fazendo carinho no Derek -nosso gato laranja e branco- e minha mãe estava na cozinha fazendo café, não café da manhã, café mesmo e esquentando leite também. A gente nunca teve muito costume de comer de manhã e seria um dia longo, cheio de pessoas e comida. Me sentei na cadeira e pude ouvir Sophie falando com Derek, algo sobre como iríamos ficar fora o dia todo e que ele não podia chorar. Acho que nunca ouvi Derek miar, não para mim, nem para minha mãe, só para minha irmãzinha de sete anos, ele ama ela demais, eles nasceram um para o outro. Derek foi encontrado na rua quando minha mãe tinha acabado de ter minha irmãzinha, eu que o trouxe pra casa, mamãe quis "me matar", "𝘲𝘶𝘦𝘳𝘪𝘥𝘢, 𝘶𝘮 𝘨𝘢𝘵𝘪𝘯𝘩𝘰 𝘧𝘦𝘥𝘪𝘥𝘰 𝘦 𝘧𝘦𝘪𝘰 𝘱𝘦𝘳𝘵𝘰 𝘥𝘢 𝘴𝘶𝘢 𝘪𝘳𝘮𝘢̃𝘻𝘪𝘯𝘩𝘢 𝘱𝘰𝘥𝘦 𝘴𝘦𝘳 𝘳𝘶𝘪𝘮" foi o que ela disse, mas Francisco -meu pai- a convenceu que deveríamos ficar com o filhote, ele era para ser meu, mas não foi o que aconteceu. Gatos escolhem quem serão seus donos, eles são muito independentes.

- Tomem o café e o leite rápido. -Ela disse colocando as xícaras, a jarra de café e a leiteira logo em seguida em cima da mesa- Eu vou pegar alguns documentos e já volto.

Ela entrou em seu quarto, deixando a porta meio aberta. Sophie se sentou na cadeira e começou a balançar as perninhas gordinhas, ela usava um vestidinho rosa e uma jardineira amarela por cima, não consegui ver seus pés, mas tinha certeza que ela estava usando suas botas marrom avermelhada, ela ganhou no natal passado e nunca mais parou de usar, não vejo problema nisso, vermelho sempre foi a cor da nossa família no fim das contas, todas as mulheres, sem excessão, são ruivas, algumas com olhos azuis -como mamãe e Sophie- e algumas com olhos verdes -como eu-, os homens, bem... existem poucos homens na nossa família, todos eles tem cabelos castanhos e nada de vermelho.

- Posso tomar café? -Perguntou Sophie.

- Não, você vai tomar leite. -Respondi colocando o leite na caneca.

- Ahhh, mas eu queria tanto. -Ela choramingou se jogando pra trás na cadeira, que balançou um pouco.

- Cuidado para não cair, maluca. -Disse colocando a caneca na frente dela e segurando a cadeira para parar de balançar.

Ela segurou a caneca perto do rosto e ficou soprando a fumaça por bastante tempo. Sophie é uma criança sensível, sensível a sons, cheiros, sabores e várias outras coisas, mamãe não admite, mas certamente tem algo com a Sophie, pelo menos ela não ignora as "frescuras" da minha irmã, Sophie tem bloqueadores de ruídos, os produtos de limpeza não tem cheiros e Sophie come somente o que ela quer e gosta. Ela não é forçada a fazer nada e eu também não, graças aos céus, mamãe nunca foi de nós forçar a fazer algo, por mais que ela precise "manter as aparências" já que ela é dona de uma marca de roupas.