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Aubree Kurosawa

Dias atuais...

Coloco o protetor bucal em meus dentes, checando se está bem encaixado, pois sempre ficava saindo da minha boca. Me inclino, flexionando minhas pernas e levando minhas mãos na frente do rosto, pronta para começar. Adrenalina percorria minhas veias, envolvendo meu corpo todo.

Essa sensação que me preenchia vinha todas às vezes que eu estava prestes a participar de um, ou até mesmo de uma luta que valia alguma coisa. Ainda que fosse raro que eu participasse de lutas profissionais, odiava a pressão em cima de mim e, se eu perdesse, a raiva me controlaria.

Um apito soa ao meu lado esquerdo, dando início ao sparring. Meu corpo ferve. Encaro Ashley à minha frente, na mesma posição que eu, enquanto nos cumprimentamos, tocando nossas luvas para começar.

Não espero muito tempo para prosseguir e dou um golpe na canela de Ashley, fazendo a loira recuar. Odiava aqueles tipos de luta no qual os oponentes ficam rodopiando no tatame sem nem se quer se tocarem por um bom tempo. Ashley decide avançar em mim com alguns socos rápidos e precisos, mas consigo bloquear todos, deixando a garota visivelmente frustrada.

— Vamos! — Michael grita ao meu lado e lanço um sorriso a ele.

Dou dois passos, me aproximando de Ash e, com um movimento rápido, desfiro um soco na direção de seu queixo, que logo é bloqueado. Sem me deixar abater, seguro sua cabeça com minhas duas mãos, puxando para baixo. Ashley envolve minha cintura com seus braços, se prendendo ali e me golpeando com vários socos na barriga. Mas não me deixo vencer, minha mão vai até sua costela, desferindo um soco preciso. Em seguida, outro soco em sua cabeça, que tentava se esconder na minha barriga.

— Vai, Aubree! — Michael grita mais uma vez, batendo palmas e focado em nós duas.

Passo meu pé por debaixo de minha adversária, fazendo seu corpo se esparramar pelo chão. Não demorei para subir em cima da sua barriga, prendendo suas mãos. Minhas pernas se engancham nas suas enquanto uma de minhas mãos lhe soca várias vezes.

Eu só tinha que ficar nessa posição por mais dez segundos.

— 1... 2... 3... 4... 5 — Michael, agachado ao nosso lado, grita enquanto tento usar toda minha força naquela hora.

Não era fácil manter seu oponente no chão por dez segundos, sua força ia embora lentamente.

A perna de Ash sai do meu enlace, tentando se levantar, mas meu soco atinge seu queixo, fazendo com que ela recuasse e, assim, consigo enlaçar minha perna na sua novamente.

— 6... 7... 8... 9... 10... Solta, Aubree! — Michael puxa meu corpo para cima, me desgrudando como um carrapato de cima de Ashley. — Barulhos para Aubree!

Todos os que estavam ao nosso redor, assistindo ao sparring, experimentavam a sensação de adrenalina fluindo em suas veias, assim como nós. Eles explodiam em uma mistura de sons. Embora meu corpo estivesse cansado e fatigado, não contive os pulos ao comemorar.

— Sonho com o dia em que vencerei você. — Ashley se levanta e corro para abraçá-la.

— Vai precisar treinar mais. — Dou uma piscadela em sua direção, com um sorriso faceiro nos lábios.

Enquanto comemoro com Ashley e Michael no tatame, meus olhos varrem o local, percebendo um par de olhares me fitando ao fundo. Eu reconheceria aquele olhar em qualquer lugar.

Era Aidan.

O que ele estava fazendo aqui?

Fazia três anos que eu não o via, desde que sua mãe faleceu. Ele desapareceu, não foi ao funeral, não respondeu às minhas mensagens e não atendeu minhas ligações. Passei algum tempo tentando entrar em contato com ele ou lhe procurando, mas desisti, após diversas buscas infrutíferas.

— Vamos sair para tomar uma cerveja! — Ashley me puxa, com a intenção de ter minha atenção novamente. Meu coração acelerado me condena, meus olhos vagos ainda estavam tentando entender se era coisa da minha cabeça.

Me viro novamente, procurando-o, mas eu já não conseguia distingui-lo no meio das pessoas, havia sumido, o que sabia fazer de melhor.

A academia esvaziou como toda quarta depois das lutas. Fechamos o lugar e fomos andando até o bar mais próximo.

— Às vezes, acho que vou surtar — comenta Ashley, assim que nos sentamos nas cadeiras de madeira que havia ali no bar simples e vazio. Ela estava falando ao celular com uma de suas filhas. — Odeio a fase pré-adolescente.

— Maria? — Michael indaga e ela concorda com a cabeça. — Você já esteve nessa fase, não finja que não entende.

— Eu entendo, só é cansativo — dispara com raiva, me fazendo soltar um ar pelo nariz ao ver o sorriso divertido nos lábios de Michael. — Não me enche.

Ashley tinha 28 anos e foi mãe bem cedo, não teve ajuda do progenitor, mas teve total apoio dos seus pais, mesmo eles sendo jovens e estarem furiosos. Mas a fúria só piora tudo, o que você mais precisa no momento é compreensão e apoio, que foram concebidos após a poeira abaixar.

Os olhos cansados de Ashley não deixavam a sua beleza se apagar, seus cabelos loiros caíam nos ombros, sua pele nívea conseguia cegar alguém caso o sol refletisse. Nos conhecemos na academia, assim como foi com Michael.

— Se quiser um beijo, me fala. — Ela me olha, lançando uma piscadela.

— E se eu quiser? — brinco, me inclinando contra a mesa para chegar mais perto da loira.

— É trio? — Michael se inclina juntamente a mim na mesa e nós duas lhe empurramos para trás, caindo na gargalhada.

De repente, vejo uma figura atrás de uma das árvores que havia ali, respiro fundo, fazendo a cadeira ranger contra o chão e me levanto rápido, atravessando a rua.

— Porra, o que você quer? — Empurro o corpo, fazendo-o cambalear e cair de bunda no chão, o capuz que tampava seu rosto desliza para trás, exibindo a figura de um homem com barba.

Meu queixo cai no chão, não era ele.

— O que foi, caralho? — Se levanta com raiva, apagando seu cigarro na árvore. Porco.

— Me desculpe, confundi com outra pessoa. — Recuo dois passos, mas ele agarra meu braço, me puxando para si.

— Ei, tira a mão dela. — Michael aparece ali e também empurra o homem barbado, que lhe olha furioso, conseguia ver fogos saindo do seu nariz.

Porra, eu havia visto seus olhos uma vez e já estava abalada assim? Eu só podia estar delirando.

— Qual foi dessa japonesinha me empurrando? — Ele arruma a roupa no corpo sem deixar de me olhar.

— Ela tem problema de cabeça, às vezes, as crises vêm fortes — Michael diz ao homem, cerrando os lábios para não rir. O homem apenas me olha uma última vez antes de virar as costas e sumir.

— Sua bunda! — Dou-lhe um tapa na cabeça, fazendo-o engasgar de rir.

— Salvei sua bunda, agora me deve a sua. — Ainda rindo, caminhamos de volta para o bar.

— O que aconteceu, Aubree? — Ashley interroga quando me sento de novo à mesa.

— Pensei ter visto outra pessoa...


Sparring: é um termo originalmente inglês. Ele deriva do verbo "to spar", que tem como significado "praticar boxe", "lutar a soco" ou "disputar".


Entre memórias e segredosOnde histórias criam vida. Descubra agora