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Dez anos atrás...

— Por que esse sorvete tem que ser tão bom? — Levo uma colherada generosa até minha boca, fazendo o sabor de menta se espalhar pelas minhas papilas.

— Você sempre repete o sabor, não se interessa em experimentar coisas novas? — Aidan se divertia com a colher, girando-a entre seus dedos enquanto tentava aparentar descolado esparramado na cadeira.

— Gosto do que me conforta e faz meu corpo entrar em êxtase. — Não me conformo em experimentar outro sabor, com a possibilidade de não gostar e ainda perder dinheiro, se já tenho o melhor e sei que vou gostar.

— Ei, Aubree!

A voz de alguém soou próxima. Eu e Aidan viramos a cabeça ao mesmo tempo, procurando por quem estava me chamando. Marcos está sentado na mesa ao nosso lado, segurando cada um de seus indicadores no final dos olhos, puxando para cima, imitando os meus olhos puxados. Todos na mesa se divertiam com a sua graça e tentavam lhe imitar.

Aidan se levantou da mesa depressa, furioso. Sua mão foi como um ímã ao pescoço de Marcos. Ele arrastou o garoto até a parede mais próxima, apertando-o com o corpo suspenso. Marcos era um garoto magro, mas também não era fácil levantá-lo com uma mão só.

— Faça isso de novo! — Aidan ordena, seu tom de voz até me assusta um pouco.

O garoto nega com a cabeça, apavorado. Seus amigos também recuam, não teriam coragem nem de chegar perto de Aidan.

— Estou mandando, faça isso novamente! — Sua mão aperta com mais força o pescoço do garoto tenso, preso à parede.

As mãos dele levantam-se tremendo, fazendo o caminho até seus olhos, como havia feito antes, mas Aidan não o deixa concluir, dando-lhe um soco no rosto.

— Aidan! — Levanto-me rapidamente da mesa, puxando-o pela camisa que usava. — Vamos embora!

Ainda o puxando pela bainha da camiseta, saímos da sorveteria. Sua respiração estava descompensada e seus punhos cerrados, como se quisesse voltar até lá para lhe bater ainda mais.

— Não precisa bater nas pessoas, Aidan — repreendo-o, mesmo que Marcos tenha merecido.

— Ninguém mexe com você, Aubree. — Ele retira minha mão da sua camiseta, sua testa franzida deixava notável para qualquer um que ele estava furioso.

Enquanto caminhava, quase deixei um sorriso escapar ao ouvir as suas palavras. Sempre me senti protegida ao lado de Aidan, mas ele nunca havia socado alguém na minha frente. Era a primeira vez que eu o via assim, era boa a sensação de pensar que aquilo tudo era por mim, mas, ao mesmo tempo, a agressividade me deixava assustada.

— Vamos treinar? — De repente, sua fúria é deixada de lado ao olhar em minha direção, com suas mãos no bolso.

Concordo, tentando deixar de lado o calor no corpo.

Seguimos até um galpão antigo que existia a algumas quadras dali, era um local que ninguém frequentava, visto estar abandonado. Um dia, Aidan descobriu o galpão, quebrando uma das janelas para entrar. Lá dentro, havia um tatame e algumas coisas de luta. Provavelmente, um dia foi uma academia e hoje é apenas um lugar escuro e empoeirado.

— Gira o corpo e levanta a perna para acertar o saco! — Aidan coloca o saco de pancadas em sua frente, era alto, então, eu teria que me esforçar um pouco para alcançar o topo do saco.

Dou uma volta com meu corpo e tento o acertar com meu calcanhar, no entanto, não chego longe o suficiente.

— Aubree, você está chutando na altura da minha barriga, você precisa chegar ao meu rosto. Tentar dar um impulso mais forte no pé que fica no chão.

Concordo em silêncio mais uma vez. Novamente, dou um giro e consigo chegar à altura do seu peito, sorrio, mas ainda assim ele me repreende.

— No rosto, não no peito — ele solta um grunhido.

Furiosa, com o corpo pingando e a respiração acelerada, respiro fundo.

Giro meu corpo e levanto minha perna, impulsionando minha perna esquerda que ficava em contato com o chão, acertando com força o topo do saco de pancadas, fazendo Aidan cambalear para trás. Levo a mão à barriga, gargalhando com a cena.

— Eu poderia ter perdido meu nariz, sabia, Aubree? — Aidan se aproxima devagar. Eu o encarava, rindo, seus olhos permaneceram profundos e o seu semblante fechado.

As risadas cessam ao mesmo tempo, em que ele se aproxima cada vez mais. Fico ali, aguardando para ver o que ele faria como vingança. Seu hálito quente bate em meu rosto, deixando meus olhos fixados seus olhos olivas. Uma sensação de calor percorre todo o meu corpo, engulo em seco. Aidan leva seu joelho atrás do meu, fazendo o meu se dobrar e seu braço me empurra ao chão.

Caio no chão, quase como um saco de batatas e Aidan ri em cima de mim. Nesse momento, passo meu calcanhar pelos seus tornozelos, fazendo suas pernas desvencilharem e cair ao meu lado. O som das suas costas batendo no tatame ecoou por todo o galpão antigo, fazendo-me rir.

— Eu mereci. — Ele se contorce, reclamando de dor nas costas. — Você está ficando boa, Aubree.

— Eu sei, tenho um bom professor. — Viro minha cabeça para o lado para lhe encarar, deixando minha bochecha suada grudada no tatame empoeirado. Com certeza, eu sairia dali espirrando.

Aidan levanta sua mão, pegando uma mecha do meu cabelo fino, que escorre da sua mão, feito água.

— Gosto dos seus olhos — ele diz, fazendo nossos olhares se encontrarem, meu peito subia e descia com rapidez após escutar suas palavras. — Se alguém disser ao contrário, me avise, irei quebrá-lo ao meio.

Solto um riso nasalado com sua delicadeza.

— Aidan, melhor irmos, está ficando escuro.

Me levanto com rapidez, ficando tonta, e me ponho a arrumar a bagunça que fizemos ali no tatame.

— Não terminamos. — Ele, enfim, se levanta, alongando as costas que doíam por conta da queda.

— Terminamos amanhã, está tarde.

— Aubree.

— O quê?

— Posso dormir na sua casa hoje?

Me viro para ele, que está com os braços cruzados na frente do peito, seu rosto estava frio e fechado como sempre, mas tinha um pingo de vergonha ali por me fazer a pergunta.

— Preciso perguntar para minha mãe antes. — Não estou dando desculpas para que não dormisse, mas precisaria consultar minha mãe antes, mesmo que ela nunca negasse. Aidan era como um segundo filho para ela, e aqui estou apenas repetindo suas próprias palavras.

— Tudo bem, não precisa, vamos. — Ele dispara a andar minha frente, me obrigando a correr para lhe alcançar.

— Eu só preciso falar com ela, você sabe que ela nunca nega. — Seguro a ponta da sua camisa para ele parar de andar rápido, como se estivesse fugindo.

— Eu disse que não precisa. — Ele olha furioso para minha mão que lhe segurava e eu retiro rapidamente.

Às vezes, Aidan tinha uns picos de fúria, estresse e ignorância que me deixava confusa, mas nunca lhe enfrentei porque tinha medo dos que sempre me encaravam como se fosse me matar.

Entre memórias e segredosOnde histórias criam vida. Descubra agora