Abro os olhos em um rompante, mordendo os lábios para não gritar. Lentamente, me sento na cama, abraçando os meus joelhos enquanto me balanço para frente e para trás, como se tentasse me consolar. Eu poderia tentar, talvez dizer a mim mesma que tudo vai ficar bem. Porém, nada fica bem. Nunca fica.
Sinto as lágrimas rolarem por minhas bochechas e foco em manter meus lábios pressionados para abafar os pequenos soluços que começam a chegar. Gritar, atrairia o meu pai ao quarto e ele viria rapidamente. Chorar, tendia a despertar ainda mais a atenção dele, especialmente se ele estivesse em uma daquelas noites, onde mais importa além da bebida. Por isso, coloco toda a minha concentração para tentar me manter no mais completo silêncio.
Essa é uma pratica que desenvolvi ao longo dos anos, quase como uma questão de sobrevivência. Afinal, a atenção do meu pai é o que eu mais tento evitar desde que descobri os meus poderes.
Encaro a escuridão que me envolve, deixando os olhos passearem lentamente pelo meu quarto simples, caçando qualquer distração para imagens perturbadoras do pesadelo. Apenas um pequeno feixe de luz entra através das janelas, driblando a fenda das grossas cortinas penduradas, mostrando que a lua ainda se mantém firme no céu da madrugada. A minha visão faz com que não seja necessário mais do que isso para que eu consiga distinguir os detalhes das paredes, dos livros organizados na estante do canto do quarto e do closet, agora vazio.
Evito de propósito olhar para a porta com todas as trancas que sempre me lembram de que aquilo não se trata de um quarto, mas sim de uma prisão, optando por fixar meu olhar nas malas próximas ao closet.
Aguço minha audição, buscando qualquer sinal de que meu pai esteja acordado. Fecho os olhos enquanto os sons começam a chegar, todos inundando o meu ouvido ao mesmo tempo. Eu me concentro em bloquear os que vem de fora da minha janela, como as folhas se desprendendo das árvores sob o vento cortante da noite ou das ovelhas que ficam no campo mais afastado.
Eu me imagino avançando lentamente pelo corredor que liga o meu quarto até o quarto do meu pai. Logo eu o encontro. Primeiro sua respiração pesada, como se o peito estivesse sendo pressionado, provavelmente estava dormindo de bruços. Depois, consigo escutar o seu coração batendo em um ritmo suave e constante, indicando que ele se encontra em um sono imperturbado e profundo.
A audição é a habilidade que mais desenvolvi o controle ao longo do tempo, embora a visão e olfato também façam partes dos meus poderes. Aprender a filtrar os sons que me interessam acabou se tornando uma necessidade, um termômetro que poderia me ajudar a prever o que viria. Passos firmes e constantes, eram seguros. Passos arrastados, eram um sinal de atenção, pois indicariam que meu pai bebeu mais do que costuma beber diariamente.
Os passos fortes e pesados, principalmente quando se direcionam para a escada logo após ele chegar em casa, esses eram o meu sinal de alerta luminoso. Significavam muita bebida e um dia muito ruim, uma combinação perigosa. Geralmente, cada passo que meu pai dava ao subir as escadas, soava como se tocassem sirenes barulhentas dentro da minha cabeça. Então, eu me encolho e aguardo. Não tem muito mais o que fazer, pois sei que os passos vão parar em frente a porta do meu quarto.
Uma parte de mim entende. Dói nele e gritar, dizendo o quanto sua vida é infeliz e miserável, é o jeito de aliviar a dor. Então, só me desconecto enquanto ele grita comigo, procurando me colocar no mesmo desconfortável assento em que me vejo todas as noites em que os pesadelos decidem voltar, e permaneço encarando o vazio. Bem, a parte de mim que queria chorar e dizer o quanto lamento por sua dor, foi há muito tempo silenciada pela minha própria voz me lembrando que eu não tinha esse direito.
Situações como essa sempre me deixaram apavorada. Qualquer pessoa que me ouvisse relatar isso, ligaria esse sentimento ao medo que eu devia sentir do meu pai me machucar. Mas não. Ele é minha única família e eu o amo. O verdadeiro pavor vem da possibilidade de eu perder o controle e matá-lo também.
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All of me loves all of you - Jordan Li - Gen V
FanfictionKatherine Hale viu sua vida se transformar em um grande pesadelo quando descobriu ser uma super. Após anos tentando bloquear parte de seus poderes, buscando evitar ser a protagonista de novas tragédias, ela se vê obrigada a arriscar todo seu autocon...