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Não era de certo pudor o sucumbir leve da intromissão. Aquele farfalhar que tanto ressoava.
O sol adentrava de forma ligeira pelo quarto mal organizado, as janelas entre-abertas e a cortina que fazia seu trabalho ao deformar a árvore do lado de fora. Havia uma mala jogada no canto da cama, estava aberta, mostrando as roupas que foram postas de qualquer jeito.
Verônica caminhava de um lado para o outro no cômodo, buscando equipamentos que a mesma tivera colocado em algum lugar cujo recordo não há. Estava procurando o seu celular a pouco tempo atrás até perceber que aquele permanecia guardado no bolso da sua calça preta.
Havia saído da rua sem saída que fora posta na investigação. Agora descobrindo se tratar de três irmãos e sabia que teve grande ajuda de Anita, mas jamais agradeceria devido ao tamanho do orgulho que habitava no seu peito. Se recusava.
Contudo, tinha plena noção da busca dobrada que Matias estava fazendo por conta de Anita ao seu lado e precisava protegê-la como se sua própria vida dependesse disso.
Jamais admitiria isso.
Odiava isso.
Contradição a qual não sabe lidar e essa tem nome e sobrenome.
— Ei garotão.
A voz fina lhe roubou atenção por um momento, logo a testa se franzindo com a confusão genuína.
Parecia desconhecida, a voz esquisita.
Deixando sua jaqueta na beira da cama, a curiosidade tomando-a de forma branda antes de se questionar se seria ou não uma boa ideia.
A bota preta fazendo seu caminho ao selar de um acordo inconsciente, se esgueirava pela madeira barulhenta.Ao esconder-se na parede no final do corredor, conseguiu ver, inclinando meramente a cabeça, o mesmo cachorro de ontem patitando com a garrafa na boca.
Ele parecia animado.
Com um pouquinho mais de esforço, conseguiu ver Anita sentada de lado no pano disposto no chão.
"Estendeu o maltrapilho para que não sujasse a roupa já despojada"
Mesquinha.
Não estava formal como normalmente estaria e Verônica pensava se aquela calça preta pesada que Anita usava era sua, e se fosse, como conseguiu roubá-la?
A camisa social branca em seu corpo estava amassada, as mangas dobradas e levantadas para não sujá-las e desgastá-las.
Verônica parou na informação que recebia e isso a fez sair um pouco do "esconderijo", a parede que se escondia fielmente.
Ficando a vista para que a outra enxergasse agora, mas não tivera.
A situação era insólita; A garrafa que Anita jogava para os quatro canto da sala apenas para o cachorro correr animadamente atrás.Esqueceu quem era a pessoa sentada a sua frente, esqueceu por um segundo quem deveria odiar e o porquê odiava.
"A forma como você vê"
A ideia montada pela percepção disfuncional de outra pessoa.
Como alguém poderia conhecer o verdadeiro, se cada um molda o que o verdadeiro é?O anti-herói que cava suas lutas por medo daquilo que já o caracterizou.
Como poderia pertencer a uma ideia absoluta do ódio, se tudo o que a pessoa é não se passa de uma visão do que o outro vê e não aquilo que realmente é?
Não estou falando de pessoas consideradas salvadoras da pátria que tem seus cegos pregadores; aqueles que não veem nada se não o próprio egoísmo, o dinheiro e o preconceito.
"O Brasil acima de tudo, a imposição de uma religião acima de todos".
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O nada
General FictionTalvez Verônica tivesse chego antes. Talvez Anita ainda estivesse viva por isso.