OS TURCOS - VIZINHANÇA INDESEJADA

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Essa é a história de uma família que, por ironia do destino, se fundiu com a história da minha própria família. Diferente de contos fantásticos que se passam em reinos distantes, essa história não é muito antiga. Ela aconteceu no nosso tempo e foi contada pela minha avó e confirmada pela minha mãe. É uma história relacionada a uma família que residia em nossa rua. Isso aconteceu no ano de 1954, quando uma família estrangeira, com hábitos muito peculiares, mudou-se para uma rua tipicamente suburbana do Rio de Janeiro.

Nessa época, pouquíssimas pessoas tinham televisão e, quando não estavam entretidas ouvindo rádio, tinham por hábito ficar sentadas em suas calçadas falando sobre os mais diversos assuntos. O assunto do momento era a tal família estrangeira que acabara de se mudar. Os moradores ficaram curiosos a respeito daquela família, pois ninguém sabia de onde eles vieram. Alguns anos depois, minha mãe veio a esclarecer que os anciãos dessa família vieram de Tégea, uma antiga cidade grega situada na Arcádia.

Eles tinham um casal de filhos, Nora e Ekhein, que eram extremamente reservados. Pouco se sabia sobre eles na época, o que alimentava uma série de especulações por parte da vizinhança. Os mais velhos, que deduziam ser os pais das crianças, falavam — ou melhor, esbravejavam — constantemente com os filhos em sua língua nativa, principalmente com o menino. As discussões eram frequentes, mas ninguém entendia nada. O falatório costumava terminar de forma abrupta, a casa era tomada por um estranho silêncio, e o idioma completamente desconhecido pelos locais acabou dando origem ao apelido: "os turcos". Irei chamá-los assim também.

Minha mãe estudou com a menina dessa família na escola. Nora não era de falar muito, mas, mesmo sendo muito reservada e tímida, conversava um pouco com minha mãe no caminho de volta para casa, pois moravam na mesma rua. Nora tinha um irmão, Ekhein, um nome bem estranho. Segundo ela, era mais tradicional. Seus pais o chamavam muito, e ele parecia ser bem levado. Diferente de Nora, ele não frequentava a escola e ajudava nos serviços da casa. Eles tinham uma horta e uma criação de pequenos animais. Costumavam montar uma banca aos domingos na feira, onde vendiam hortaliças e outras coisas que produziam. Era tudo bem artesanal.

Minha mãe disse ter aproximadamente oito anos de idade quando teve contato com Nora pela primeira vez. A garota era dois anos mais velha do que ela. O menino, por sua vez, pelo porte físico, aparentava ser mais velho que a irmã, mas ela nunca chegou a saber realmente a idade dele. Os anos se passaram e, apesar da convivência, os turcos mantinham os mesmos hábitos: eram extremamente reservados e fechados. Ekhein, agora rapaz, era bem rude com todos que tentavam alguma aproximação, tanto com ele quanto com sua irmã.

Minha mãe tinha a impressão de que eram proibidos de interagir com os outros jovens da rua e com os moradores em geral. Ela tinha muita pena de Nora, pois achava que a família a maltratava. Diferente dos dias atuais, não havia muita informação sobre proteção à criança e ao adolescente. Por mais que parecesse uma relação abusiva, minha mãe nunca chegou a ver marcas no corpo da menina, mas Nora parecia estar mais e mais triste a cada dia. No entanto, nunca falava o motivo, não se abria, até aquele fatídico dia: o dia em que ela desabou.

Segundo minha mãe, já estavam próximas de terminar o colegial. Era fim de ano letivo e todos na escola estavam fazendo muitos planos. Já era fim de tarde e elas voltavam para casa caminhando como de costume. Mas, neste dia, bastou uma pergunta para desatar o nó preso na garganta de Nora. Minha mãe, inocentemente, perguntou o que ela faria com o término do colegial, se ela cursaria o ensino normal, de formação de professoras, sonho das meninas da época, ou se faria alguma outra coisa. Bastou esta pergunta para que Nora começasse a chorar. Mas não apenas um choro qualquer: eram lágrimas que pareciam estar guardadas há muito tempo. Nora, que era muito branca, ficou vermelha de tanto chorar. Ela soluçava e minha mãe a amparou, tomando então um caminho diferente para que não passassem pela casa de Nora.

O MISTERIO DA CASA DOS TURCOSOnde histórias criam vida. Descubra agora