𖦁 𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎 𝟏

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26 DE AGOSTO, 📍 MONTERVIL

15:50 PM

ELEANOR SLOAN

Desde que iniciei o ensino fundamental II, estive ciente da famosa rixa entre os alunos de famílias abastadas e os bolsistas. Éramos vistos quase como uma abominação, em uma cidade que pessoas eram divididas por suas classes, ainda que indiretamente.

Os alunos privilegiados eram os que mais se destacavam, exibindo sempre uma postura arrogante e superior em relação a nós, os bolsistas. Acreditavam-se superiores por uma série de motivos, especialmente por acharem que nossa presença despurificava e contaminava a reputação da escola.

E essa mesma mentalidade era evidente em todo o norte da cidade, enquanto no sul estavam as escolas públicas, moradores de rua, o choro das crianças por falta de alimento e o desespero das pessoas em busca de oportunidades dignas de emprego.

Era como uma terra sem lei, que saia e voltava apenas quem podia. Um ciclo interminável de nascer já estando condenado a morrer ali. No entanto, minha vida tomou um rumo diferente quando, ainda criança, consegui uma bolsa de estudos em Hardaway e me mudei para o norte da cidade.

Foi tudo graças a ajuda da minha mãe e à minha inteligência. Mas aprendi da pior maneira que não era necessário mais do que isso para ser tão odiada por alguém. Não em Montervil.

A partir do sexto ano, precisei aprender a guardar e esconder meus materiais, para que não fossem vandalizados novamente, sendo jogados no lixo ou no vaso sanitário.

Acima de tudo, fui obrigada a esconder minha angústia, a sufocar o choro ou a derramar lágrimas em silêncio. Era disso que eles mais gostavam, tirar prazer em ver o quão profundamente podiam nos ferir.

E uma das partes mais difíceis, talvez a pior do bullying, era o silêncio mantido por anos, escondendo o que estava acontecendo para não preocupar pessoas importantes da minha vida. Mas eu me arrependia de nunca ter compartilhado uma única lágrima com minha mãe, agora que ela não estava mais comigo.

Infelizmente, a mesma não venceu a leucemia, me deixando apenas com minha avó, o que não significava muito, visto que ela também parecia estar ausente.

Mamãe dizia que a velhice em breve a levaria, mas não me explicava o porquê de vovó parecer não ter mais raciocínio. A velhice não deveria causar isso.

Vovó Dalia falava de vez em quando, comia e fazia suas necessidades com ajuda, mas não agia como nós. Parecia sempre se perder em algum lugar de sua mente.

Eu também me perdia às vezes.

Levei minha mão esquerda até o colar em meu pescoço, quieta no fundo da sala. Ele tinha o formato de uma flor azul em chamas, algo deixado para trás por meu pai antes de ir embora e nunca mais voltar, sem deixar explicações.

Sei que talvez devesse sentir raiva e enterrar tudo sobre ele, mas no fundo ainda acreditava que ele poderia voltar. No fundo, esperava vê-lo novamente para poder ter mais memórias suas, além da única que possuia, como um borrão onde mal conseguia me lembrar do seu rosto. Dele saindo pelo portão de casa e me lançando um último olhar, carregado de emoções das quais não consegui decifrar. Eu tinha apenas cinco anos.

Fui desperta dos meus devaneios apenas quando percebi a entrada de um homem alto, com barba e cabelos escuros tornando o ambiente,- antes barulhento -, silencioso. Seus olhos estavam semicerrados e havia uma carranca em seu rosto. Era um professor novo.

Essa era a primeira semana de aula, já estávamos no segundo dia, mas ainda faltava muitas matérias a serem apresentadas.

O professor, que se apresentou como Rick, iniciou brevemente sua aula de biologia, apresentando diversos slides na televisão posta ao lado de sua mesa. Prestei atenção em cada um deles, anotando o que foi pedido e o que considerei necessário para me ajudar a estudar mais tarde. Depois, outros professores vieram, introduzindo novas matérias e revisitando outras já conhecidas, até que o intervalo chegou.

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