Cartas de uma amante

Espera

Enquanto o tempo parece escorrer pelos meus dedos como a água que agora molha a pele dela, eu estou aqui, suspensa numa espécie de limbo entre a esperança e o desespero. Sou a amante silenciosa, aquela que vive nas sombras, presa em um amor clandestino que queima dentro de mim como uma chama que nunca se apaga. Cada risada que ele dá com ela ecoa na minha mente como um lembrete cruel da distância entre nós, uma distância que me atormenta, pois sei que nunca poderei cruzá-la abertamente.

Posso quase sentir o vapor quente que embaça o espelho do banheiro onde ela se prepara, cada gota de água que desliza pelo seu corpo uma faca afiada que corta qualquer resquício de ilusão que eu ainda insistia em manter. Ele está lá, sentado na sala, talvez arrumando distraidamente alguma coisa enquanto espera. Meu coração se contrai só de imaginar seu olhar cheio de desejo por ela, o mesmo desejo que eu conheço tão bem, que já experimentei em momentos roubados, em instantes que só a escuridão poderia abençoar.

Ele me diz que me ama, sussurra essas palavras que me mantêm presa, que me alimentam com falsas esperanças. Mas esse momento, esse instante, é só deles. A água escorrendo, o perfume dela no ar, a intimidade que compartilham, tudo isso pertence a ela, a eles. Eu me iludo, me agarro a essas palavras que ele diz, mas no fundo sei que sou apenas um consolo, uma sombra daquilo que ele vive com ela.

Aqui estou, assistindo à minha própria dor como se fosse uma peça teatral. Uma peça onde eu sou ao mesmo tempo espectadora e protagonista, sentada na plateia de um espetáculo do qual não posso fugir, do qual não posso acordar. Ele é dela, e eu? Eu vivo de migalhas, de momentos que nunca serão suficientes. Ela vive o que eu apenas sonhei, e nesse sonho eu permaneço, num ciclo que me consome, num turbilhão que me arrasta para um lugar onde o único som que ouço é o da felicidade deles, a felicidade que, um dia, eu quase chamei de minha.