CAP.1 | 01 - Uma Promessa Silenciosa

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PRÓLOGO

Cutucou o fogo com a ponta de um graveto. As brasas despojadas subiram rodopiando e sumiram no ar gelado. O sol surgia pálido e de maneira algo translúcido por detrás do limiar esboçado do espinhaço. À vista se estendiam majestosas cordilheiras, todas elas adornadas por mantos espessos de neve. O deserto monocromático do inverno.

Havia um mistério na manhã cuja antecedência sempre lhe parecera incerta e inescrutável. Mistério antigo que só se fazia manifesto ao coração, mas ele sabia que não era no coração que se resolviam mistérios.

Pensou na mãe. Um vulto desenhado nas estrelas, lentamente engolidas pela aurora. Se trouxera alguma espécie de conhecimento não quisera compartilhar, pois nada disse embora ele achou tê-la escutado sussurrar. Mas ele sempre escutava.

O jovem cavaleiro sentiu a temperatura do café e bebeu.

Duas andorinhas alçaram voo ao seu lado. Achou ter sido o cavalo mas era um cachorro que surgira ali. Chamou-o com a mão e o cachorro se aproximou. Deu-lhe um pouco de galinha cozida. Faltava ao cão uma pata traseira, o rabo, uma orelha, alguns dentes e o pobrezinho estava cego de um olho.

Fez carinho no miserável e brincou com ele. Ele pôs a língua para fora e deitou-se. O cachorro permaneceu ali, próximo à fogueira, onde o calor amenizava as agruras de sua existência.

Gostava dos cães. Tivera um cão uma vez.

Olhou para o espinhaço novamente e então para o cão e ficou se perguntando como aquela criatura moribunda era capaz de sentir qualquer alegria. Com um suspiro, o jovem cavaleiro se levantou, seguido pelo olhar atento do cão. Colocou uma manta sobre o animal ali onde estava e deixou no chão o resto da galinha.

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Uma Promessa Silenciosa

Observava por detrás da janela da estalagem o vento dançar com os cristais até pousarem no solo. Quebrava o jejum com dois ovos de ganso e cerveja preta.

As únicas pessoas na estalagem eram o próprio estalajadeiro, sua esposa e sua filha trabalhando nas mesas e um outro cavaleiro. Este cavaleiro em questão era um jovem vivaldino, com astúcia estampada no canto da boca. A filha do estalajadeiro caiu nas suas graças noite passada e agora os dois eram só sorrisos. Um bastardo de um cavaleiro andante, Ludwig pensou, com não mais que uma sugestão de sorriso nos lábios. E de um rapaz novo.

Ele mesmo não era lá grandes coisas aos vinte e um.

Brincou com o último gole de cerveja na boca antes de partir para os estábulos. O cavalariço era um menino de doze anos que mais parecia um rato, com orelhas tão grandes quanto suas mãos.

— Se mexeu nos meus alforjes, volto aqui e arranco uma dessas suas orelhas.

— Sim... senhor. Eu não faria isso — o menino baixou a cabeça, mais tímido do que amedrontado.

Ludwig conferiu a firmeza do estribo com as mãos, depois sacudiu a sela pelo pito e viu que estava tão firme quanto deixara.

— É um bom cavalo, senhor, este palafrém. E a sela também é uma boa sela. Parece cara.

O jovem não respondeu.

— Comprou ele? — O menino perguntou.

— Conquistei numa justa.

— Então o senhor deve ser bom no que faz.

Ludwig vestiu o elmo. Um pão-de-açúcar já meio arranhado, assim como o resto de sua armadura de aço, com poucos ornamentos e amassados que adquirira com o tempo. Vestia camisa e calça de cota de malha por baixo, gibão e calção de peles, mas nenhum brasão para ser visto exceto em seu escudo, o seu próprio brasão: um cão cinza decapitado sobre fundo amarelo-escuro.

Às Minhas Lágrimas e ao Teu SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora