Jogador.
📍Campo do Clube de Regatas Olaria.
Árbitro apitou e o jogo começou pegando fogo, pô, era nós contra o Atlético Carioca de Madureira. Final de campeonato de várzea valendo uma grana legal, mas a disputa não era nem tanto pela grana. Tinha olheiro dos times grandes do Rio e era uma chance de algum de nós sair da pobreza.
Eu tava certo de que eu era o melhor em campo, não tinha pra ninguém comigo por perto. Sempre fui bom de bola, não fazia outra coisa na escola a não ser jogar bola. Educação física pra mim era a única matéria que eu tirava dez o ano todo, meu pai ficava puto, mas é aquela parada: nós vamo fazer o quê?
No primeiro tempo, ficou zero a zero. Foi pegadão, regado a falta e vários cartão amarelo. É, neguin tava nervoso pra caralho e isso me incluía, certeza. Nós foi pro vestiário, tomar uma água, tirar a água do joelho e ouvir o treinador puto.
— Quando eu mandar tu tocar a bola, tu toca pô! - treinador veio de bicho na minha direção.
— Se eu tiver chance de fazer a porra do gol, eu vou fazer. - rebati bolado.
— Tua sorte é que tu joga até meia boca, mas o próximo jogo tu vai ficar no banco pra aprender a ter respeito.
— Respeito é pra quem tem e pra quem dá respeito. - saí andando e deixei ele falando lá sozinho.
Agora tu vê, pô… Branquelo fudido desse, metido a fodão dentro do time e essa marra ele metia pra geral. Tinha dia que ao invés de treinar, ele tirava pra esculachar os cara, mas eu não sou qualquer um e não aceito essas palhaçada. Ele já me ameaçou me cortar do time umas mil vezes, mas sem mim esse arrombado não ganha nem campeonato de totó de botequim pé sujo.
Meu nome é Orlando Falconi, não é Zé Mané.
Eu venho de uma família de gente humilde que defende a dignidade até o último suor. Minha mãe é lavadeira, meu pai entregador de jornal e a gente mora lá no Engenho e além de mim, ainda tem mais sete irmãos. Quanto mais pobre a família, mais filhos o cara tem. Na linha de sucessão da pobreza, eu sou o terceiro e a meta é virar jogador de futebol e dar uma vida melhor pra minha família.
Voltamos pro segundo tempo e até que a coisa foi melhorando, fiz logo um pra abrir o placar e mostrar o porquê eu tô aqui. Tudo ia bem até que eu sofri uma puta entrada vinda do lateral do outro time faltando um minuto e meio pra acabar o jogo. A entrada é muito mais forte que um chute na minha coluna. O árbitro parou o jogo e geral veio ver o que porra tinha acontecido e outros companheiros de time partiram pra briga em cima do maluco que me acertou.
A dor veio forte, o Sandro que jogava no mesmo time que eu tentou me levantar e quem disse que eu consegui? Entrei no desespero quando passei a não sentir nenhuma das minhas pernas. Eu simplesmente não tinha força pra me levantar e quer saber? Foi horrível.
— Levanta devagar, Jogador. - Sandro falou - Sem pressa, cara.
— Eu não consigo, caralho, não tô sentindo minhas pernas. - gritei desesperado.
— Para de fazer corpo mole, levanta. - o filho da puta do treinador falou.
— NÃO DÁ, PORRA! - descaralhei no grito.
Me levaram pra enfermaria com perna dobrada ainda e tudo. Senti maior choque quando o médico do time puxou minha perna de volta, mesmo assim eu ainda não sentia as minhas pernas e muito menos os meus pés. Comecei a chorar de nervoso na mesma hora.
Fui levado pro hospital, mandaram chamar minha mãe e lá fui informado que ia ter que passar por cirurgia. Na época não tinha sus e a porra custa o dinheiro do meu rim. Nós nem dinheiro tinha pra comer direito, como ia fazer? Minha mãe pediu dinheiro emprestado pro patrão dela e meu pai fez o mesmo.
Imaginei ali o tanto que eles ia demorar pra pagar essa porra e já fiquei agoniado.
Desejei a morte, mas pobre não tem sorte nem pra morrer, a verdade é essa. Passei três dias pra ser operado e ainda de olhos fechados depois da operação, ouvi o médico dizer pro meu pai que se tivesse pegado um pouco mais pro lado eu ia ficar inválido pra sempre.
Tava faltando mais alguma coisa acontecer?
[...]
Pensei que não podia, mas aconteceu. Deitado na cama fria do hospital, tava tentando dormir e quem disse que eu consegui? Tava até fechando os olhos, a cabeça entrando em standby, quando chegou um amaldiçoado gritando no mesmo quarto.
— Calma, papai. - uma morena da voz doce falou.
— CALMA UMA PORRA! - o velho gritou.
Ele gritava sem parar e pelo que eu entendi, ele tinha se queimado todo. Tava todo enfaixado e no ato que as enfermeiras foram trocar as faixas, aí é que o desgraçado gritou. A morena chorava pra caralho, mas também não havia muito o que fazer.
— Meu Deus, que situação horrível. - minha mãe comentou baixo comigo.
— Horrível ele já é, agora tá uma desgraça. - respondi virando o rosto na direção dela.
— Não fala besteira, filho. Isso é feio e não foi essa a educação que eu te dei! - falou me repreendendo e eu ignorei.
— Só tô brincando, tá tudo certo. - virei o rosto na direção da morena - Mas a morena deve ser adotada, ele é feio, mas com ela dá pra casar e fazer lindos filhos.
— Você é igual ao seu pai, não pode ver um rabo de saia que se apaixona. Casamento é coisa séria, Orlando! Pra casar, tu tem que ter casa, tem que ter um emprego pra tu sustentar você, ela e os muitos filhos.
— Igual a senhora e o meu pai, dona Ester? Não, uns três pra mim tava bom. Conta boa pra continuar enchendo esse mundo com gente da gente.
— De qualquer jeito, esquece essa ideia, tu nunca mais vai ver essa menina, até porque tu vai ter alta amanhã. - se sentou na cadeira ao lado da minha cama.
— Que pena. - ri e encarei a morena que sequer me olhou.
Não era uma morena qualquer, ela tinha os olhos verdes, cabelo de índia e chamava muita atenção até chorando. Confesso que eu desviava o olhar pra outro lugar, mas voltava os meus olhos pra ela.
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ORLANDO FALCONI, JOGADOR.