Jogador.
Ouvi um monte da minha mãe por causa da minha briga com o Luiz. Claro que ele não perdeu a oportunidade de bater tudo pra minha mãe, aliás, ele nunca perde, mesmo sabendo que quando eu pegar ele, ele vai ficar de cara quebrada. A última vez que ele fez algo parecido, Renato, meu irmão mais velho quase matou ele de porrada.
Os dias passaram rápido, logo eu tive alta e voltei pra casa. Passei um tempo de repouso, mas a situação financeira não tava maneira e eu já estava pra lá de cansado de ouvir gracinha do Luiz em casa. Tinha que dar jeito de contornar a situação e saí de casa pra tentar qualquer parada que me desse um retorno, mas nós tamo na década de oitenta e negro é tratado como escravo e olhe lá… O não foi unânime e eu cheguei em casa mais bolado do que eu saí.
— Ficar com essa cara fechada não vai te ajudar a arrumar um emprego não. - Renato sentou do meu lado na calçada.
— Já vim do lado do centro e até agora nada. Quando eu cheguei, o cara tava ameaçando cortar luz! Pai e a mãe nem em casa vem mais, só trabalhando, não tá legal não.
— Eu sei, eu fui lá pagar agora, sem energia nós não fica. - sentou do meu lado, calmo igual um Buda.
— Tirou dinheiro de onde? - encarei ele desconfiado. Só aí eu notei que ele também havia ido ao mercadinho e comprado comida.
No meio de toda essa loucura, mal reparei nas saídas estranhas do meu irmão. Só saía escondido de madrugada, chegava antes do dia amanhecer e do nada aparecia com dinheiro.
— Não interessa, isso é assunto meu e tu vai ficar pianinho. - falou sério.
— Eu sei que tu tem amizade com os caras do China e isso vai dar problema quando nosso pai ficar sabendo.
— Se tu não contar, ele não vai saber de nada. - falou tranquilo - É temporário, tempo de levantar uma grana e tirar a gente dessa situação. A esperança que nós tinha, era tu virar jogador, mas não deu, negão. Eu não tive outra escolha, pô.
— O problema não sou eu, o problema é o Luiz! - abri olhão pra ele e olhei pros lados pra ter certeza que o demônio não estava vindo - Se tu tiver fazendo o quê eu tô pensando que tá, é melhor abrir teu olho porque ele vai abrir a boca e não vai pensar duas vezes.
— Fica tranquilo, eu cuido dele e do resto! Eu vou parar, deixa eu só dar um jeito nessa dívida da mãe e do pai, aí eu saio e fica tudo numa boa. - falou confiante - Bora pro baile hoje? Pegar umas gatinha, pô, só tem filé.
— Sei não, irmão! Tô com cara de quem tá animado pra bailezinho? - encarei ele com os olhos cerrados.
— Por isso mesmo, tu tá muito nervoso e já te falei, nós vamo sair dessa situação e enquanto nós não sai, nós dá um jeito de sorrir que quem gosta de tristeza é o diabo. - falou todo cheio de gracinha, até ri sem humor nessa hora.
— Pelo visto não tem nada pra fazer em casa, né? Os dois conversando na calçada como se nada tivesse acontecendo. - Luiz chegou do nada e já falando alto. Tava com um monte de rede pendurada nos ombros.
— Falando no diabo, o secretário mostra o rabo… - olhei pro Renato, revirei os olhos e Renato riu.
— Não tem a menor graça, Orlando. - falou bolado.
— Mas eu não falei pra tu achar graça não, falei pra ver se tu se regenera. - rebati calmo.
Ele começou a falar pra caralho e eu até entrei porque eu não tenho paciência pra aturar gente reclamando direto no meu ouvido. Ajudei a Agnes a dar banho nos nossos irmãos mais novos, enquanto o Renato foi ajudar a Cida com a comida. No fim do dia, meu pai e a minha mãe chegaram do trabalho, ela questionou sobre a conta de luz e o Renato contornou a história dizendo que tinha feito um bico e conseguiu pagar a dívida.
De noite, nós foi pro tal baile lá no clube. Fui com uma camisa branca, bermuda preta, boné preto também. Não era a roupa mais cara do mundo, mas quando eu vestia, ficava bonito e não fazia vergonha de sair. Chegando lá, Renato tirou do bolso um cordão fino de ouro e colocou no meu pescoço.
— Cuidado com a minha lata. - Renato falou no meu ouvido e eu neguei com a cabeça.
— Se isso for lata, eu sou branco. - bati com os dedos no pingente do crucifixo de Jesus Cristo.
— Qual é, irmão? Curte a noite, desamarra essa cara feia e aproveita. Já viu o tanto de gostosa que tem aqui hoje? - olhou pros lados, todo sorridente.
Renato se jogou no meio do povo, saiu andando na frente e eu o segui. Tinha uns caras, tudo mal encarado e um mais feio que o outro. Tinha vários grupinhos de mulher espalhados, maioria dançando e conversando. O passinho rolava livre e eu até que gostava muito também, nada demais podia acontecer.
— E aí, Renatinho. Qual é a do negão aí? - o mais velho falou e vários negão que tava com ele me cercou.
— É meu irmão, tá comigo e tá na paz, Bagdá. - Renato falou e o cumprimentou com um aperto de mão.
— Porra, tu tem irmão pra caralho hein. - outro falou lá no fundo.
— Família é grande mesmo, fazer o quê? Tem uns lá que se eu pudesse vendia. - Renato deu risada.
— Se fosse só o Luiz eu concordava. - falei olhando pros lados.
Não demorou muito pra eu tá enturmado no meio dos caras, aparentemente todo mundo ali era gente boa. Bagdá conversou comigo, até perguntou se eu não queria fechar com ele também, mas eu neguei. Pensei que o caminho não é esse, nós pode ser pobre, mas tem que ter dignidade.
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RENATO FALCONI.
LUIZ FALCONI.