Capítulo 1

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Hoje eu acordei com um dos MPBs antigos do qual cresci ouvindo. O problema, não era ter, incansavelmente, a música se repetindo na minha cabeça e sim perceber que todo dia eu fazia exatamente tudo igual. A diferença se dava apenas de que eu não tinha ninguém para sacudir às seis horas da manhã que não fosse eu mesma. Revirei na cama já brigando com os lençóis, implorando para que eles me deixassem dormir só mais um pouquinho, fazendo birra de criança, sabe, quando olha para a mãe e pede por favor, só mais 5 minutinhos. Bom, o despertador continuava vibrando, com o lembrete de que a rotina continua. Obrigada Chico, murmurei para o pobre cantor que nada tinha a ver com minhas frustrações. Sai debaixo das cobertas a contra gosto, resmungando até a entrada do banheiro minúsculo do meu apartamento.

Em uma breve olhada no espelho vi as manchas roxas embaixo dos olhos, denunciando mais uma noite mal dormida e uma pele branca mais pálida do que já era. Pelo menos as tranças estão arrumadas, pensei amargamente observando as tranças em estilo boxbraid castanho-escuro. Sem me lamentar ainda mais, prendi o cabelo em um coque alto, entrando de uma vez embaixo da água extremamente fria, me demorando um pouco no cheiro agradável do esfoliante de maracujá. Voltei para o quarto bagunçado e puxei a primeira blusa que vi pendurada atrás da porta, escrito em caixa alta e branca The Last os Us, vestindo uma calcinha de renda preta.

Aquela hora da manhã e o celular já vibrava com as últimas notícias do dia, nada espetacular ou de fato interessante para ler, só uma lembrança da dependência digital que nossa geração vivia. Era um desafio diário produzir qualquer tipo de matéria para os leitores que buscavam futilidades. Não os culpo, ninguém merece de fato conviver com a rotina. Abri o notebook e liguei, ouvindo o barulho familiar enquanto esquentava a água do café no fogão velhinho, mas guerreiro. Espiando a geladeira na esperança de ter um croissant recheado com bastante ricota e chá de amoras com hortelã, acompanhados talvez até de pãezinhos de queijo também, encontrei a pobre maçã esquecida no canto vazio da prateleira gelada, aguardando ansiosamente para o momento que iria come-la.

O café – diga-se de passagem a única coisa que de fato era muito boa – finalmente exalava seu perfume de grãos industrialmente torrados. O notebook aguardava preguiçoso como eu, a tela de bloqueio exibindo uma cidade em algum país extrangeiro que provavelmente eu nunca iria visitar. Abri a janela da sala, agradecida pelo vento frio que ainda fazia. Sentei na mesa, buscando automaticamente minha carteira de Marlboro jogada em algum lugar.

Agora sim, combo perfeito.

Tateei as notícias mais recentes, compenetrada de fato com aquilo, soltando uma baforada significativa no pobre computador. "Hoje no centro da cidade a banda mais famosa do momento vai se apresentar, às 20h. Não perca seus ingressos!" Não, de fato eu não ia pôr quase 8 anos de graduação e pós em jornalismo em uma matéria sem sentido como aquela. Rolei a tela e encontrei outra manchete que dizia: "durante a madrugada, família é assassinada a sangue frio por um parente próximo" Triste, realmente triste. Notícias assim deixavam meu café difícil de engolir e com certeza Roberto iria me pedir para ir lá entrevistar os vizinhos que presenciaram tudo – ou talvez apenas alguns minutos de fama, por que não? – e estavam extremamente abalados.

Eu até já conseguia ouvir a voz autoritária e machista de Roberto no telefone aos gritos comigo "você acha que ta escrevendo para qualquer jornalzinho de esquina Karen? Não tá não! Se quiser manter seu emprego, acho melhor você pegar seu..." Uma vibração constante me arrancou do devaneio com meu chefe abusivo.

– Karen Martins falando, como posso ajudar? – respondi quase como se a merda do script estivesse tatuado no meu cérebro.

– Olá senhora Karen, tudo bem? Aqui é da sua operadora e temos ótimas ofertas... – eu nem esperei a moça terminar de falar. A essa hora da manhã e atrapalhando o meu café? Tá bom, depois reclamam que eu sou impaciente.

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