Porra. Eu estava quase voltando para o hospital só para receber mais doses de anestesia. Depois que essa porcaria passou, a dor veio latejante, chata e queimando muito. Acho que se tivesse pisado em brasa não doeria tanto. Revirei na cama desforrada de tanto remexido. Me inclinei para o chão e peguei a xícara com água e o remédio largado ao lado. Engoli o comprimido para dor, torcendo que fizesse efeito rápido.
Ajeitei os travesseiros e deixei o corpo cair pesado neles. Sabia que precisava limpar as coisas, porque deveria ter pelo menos cem cacos de vidro espalhados pela sala. Eu ia? Com certeza não. Não recebia visita de toda forma, então pra que? Meu plano era afundar na cama até me fundir a ela e as pessoas esquecerem que eu existo. Grunhi, tampando os olhos com o braço. Queria mesmo desaparecer.
Pelo menos aproveitei bem os dois primeiros dias. Assisti séries de médicos excêntricos e extraordinários que poderiam descobrir qualquer doença com seus cérebros geniais, comi macarrão instantâneo que exigia de mim apenas esquentar um pouco de água no fogão – longe dos cacos de vidro e do sangue seco – e dormi. Não notei o acúmulo de roupas sujas no canto do quarto que criavam um monte cada vez maior nem a poeira no ar que ficava cada vez mais densa. Era um caos.
Enquanto me distraía, de vez em quando o celular tocava com o número de Roberto. Insistente, continuou ligando pelo menos umas seis vezes. Ignorei todas, me dei esse luxo de esquecer que esse cara fazia parte minimamente de qualquer coisa da minha vida. Deixa ele tentar me demitir para ver o que ia acontecer!, pensei sentindo raiva, que tão rápido quanto veio, foi embora. Não ia acontecer nada, porque eu era covarde demais para enfrentar uma demissão.
Demissão. A palavra soava doce e certa. Queria acreditar que merecia mais, que podia ser mais, só que sempre que vinha esse ímpeto eu ouvia uma voz conhecida sussurrar no meu ouvido, você é um fracasso em qualquer ramo que tentar seguir na sua vida. Imersa nesse pensamento esquisito, senti o vibrar do celular de novo.
– Que saco! Não vou te atender seu babaca – comentei ignorando.
E vibrou de novo. Segurando um grito de frustração, olhei para a tela para ver o número e me surpreendi por não ser meu chefe, mas muito menos reconheci quem era. Vai ver ele pegou o celular de outra pessoa pra te ligar, mas achava que não. Roberto não era tão inteligente.
– Quem é? – perguntei, grossa, sem intenção nenhuma de ser educada.
– Karen? É Vinícius, o cinegrafista que estava com você na entrevista daquele deputado – a ligação carregava uns sons atrás de outras pessoas, por tanto ele teve que falar um pouco mais alto que o normal.
Dei um pulo da cama que fez meu pé latejar fortemente. Me ajeitei resmungando da dor e acabei esquecendo totalmente de responder.
– Karen? O que aconteceu? – Vinícius insistiu, com a voz carregada de preocupação por ouvir meu grunhido.
– Oi, oi – massageei o pé levemente, falando de forma afobada – diz, aliás, como conseguiu meu número?
– Peguei com seu chefe, ele tá tentando falar com você também, só um minuto – deu um grito por alguém no fundo da ligação, o que me fez afastar o celular – o que aconteceu? Foi presa?
– Presa? – ri genuinamente – vocês tem uma ideia muito errada de mim.
– Pra você ver – riu também, mas não durou tanto – mas de verdade, o que aconteceu? – pressionou.
– Eu tive um acidente doméstico, mas semana que vem eu apareço por aí.
– Precisa de alguma coisa? – perguntou, sem rodeios nem me bombardeando de perguntas.
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Mais que amigas
Roman d'amourA linha tênue entre uma grande amizade e um grande amor, guarda segredos e desejos que até o destino desconhece. Se entregar a outro alguém na esperança de ser correspondida, arrisco dizer ser ainda mais desafiador. Basta só saber até onde essa cone...