... que te encontro primeiro.

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Século XVI

Em uma época em que foi cravada uma guerra – não tão silenciosa – voltada para a religião. Os primeiros protestantes começavam a se manifestar, fazendo com que a Igreja Católica espumasse com tamanho desrespeito, segundo eles mesmos.

Para os adultos eram algo simples e fácil, aqueles que não concordam com você são seus inimigos. Aqueles frágeis são presas fáceis. Aqueles que infringem regras são desordeiros e merecem a morte.

Hinata Shoyo era um dos poucos asiáticos que viviam nesse lado do mundo, em algum momento alguns decidiram que talvez, a Europa fosse uma boa opção para fugirem, mas não esperavam que fosse se tornar o lugar mais temível de se estar. O garoto era ruivo, o que, para a Igreja era um alarde. "Eles tem bruxos lutando ao lado deles!" era o que a maior parte dos Católicos da época diziam.

Já seguindo para os próprios Católicos, existia Kageyama Tobio, um menino alto, mas jovem, que não entendia porque era tão complicado. Se ambos acreditam em Deus, por que precisam machucar uns aos outros? Ele tinha cabelos pretos e olhos azuis, seus olhos definitivamente se destacavam na multidão, ele era visto com a esperança de grande parte da Igreja.

Em um dia na floresta, ambos os meninos foram mandados para caçar. Era um treinamento básico para, um dia, servirem como soldados de suas respectivas igrejas.

Tobio, andava sorrateiramente pela mata, carregando seu arco e flechas com dificuldade. Ele sempre foi perspicaz, nunca deixava um único animal sair vivo durante suas caçadas, seus disparos eram precisos e muitas vezes fatais. As crianças costumavam ter medo dele. O moreno estava abaixado, mirando diretamente na cabeça de um cervo, ele mordia o lábio, que já sangrava, pensando se aquele animal estava ciente de que iria morrer. Ele se esforçava muito, mas não conseguia deixar de se importar com cada ser que ele tirava a vida.

Suspirou, pronto para deixar a flecha ir, mas um vulto alaranjado passou correndo perto do animal, fazendo-o assustar-se e fugir. Tobio levantou, bufando e, com um estranho alívio no peito, se aproximou do local de onde o cervo acabara de fugir.

— Não posso acreditar que você ia mesmo mata-lo! – uma voz, estridente e calorosa disse alto, atrás de si, fazendo-o virar para vê-lo. Era Hinata, o garoto ruivo.

Kageyama já ouvira falar dele anteriormente, era conhecido com a besta dos Protestantes, o mal em forma de gente. Ele achava que era exagero da parte deles, o menino era baixo e seus olhos eram redondos e marrons, tinham um brilho diferente, não parecia uma besta.

— Não tenho permissão para falar com você – respondeu, baixando o olhar e esperando que o outro se afastasse.

— Acabou de falar, Vossa Alteza – uma risada baixa soou junto de suas palavras.

— Não sou da realeza.

— Você parece ser... Parece um mini rei.

— Não sou, e você é menor que eu, então se alguém aqui é mini, esse alguém é você – agora ele fazia contato visual com o ruivo, que sorria, como se tivesse conseguido o que queria.

Não era tarde, mas Kageyama nunca havia demorado tanto para voltar com os resultados de suas caçadas. Só tinha onze anos, mas sabia bem que obrigações tinha de cumprir. Ele analisou mais uma vez o ruivo, que parecia brincalhão. Brincalhão demais para alguém que está tentando acabar com o mundo e transformá-lo em escuridão e pecado, como os pais de Tobio diziam.

— Precisa voltar para casa também? – Shoyo perguntou, se aproximando do moreno, que tocou o arco, mas não impediu ele em momento algum. — Eu sou o Hinata Shoyo e aposto que chego em casa primeiro que você.

Kageyama quis rir, por que ele apostaria com esse garoto? Ou melhor, por que estava com as palavras na ponta da língua apenas por encarar aqueles brilhantes olhos redondos?

— Aposto que eu chegarei primeiro – ele sorriu ao ver o outro sorrindo, e ambos saíram correndo, cada um para um lado da floresta.

Como um sonho, essa cena se dissapava em fumaça na mente de Shoyo, que sentia sua cabeça doer como nunca. Sua ficha finalmente havia caído, isso não era um conto de fadas em que poderia ser amigo de seu suposto inimigo sem sofrer as consequências.

Ele olhou para o lado, sentindo que vomitaria a qualquer segundo e lá estava ele, Kageyama Tobio, os olhos azuis profundos em completo desespero, chamando por ele.

— Hinata? Você está bem? – perguntou o moreno, inutilmente.

— Eu estou prestes a morrer e você?

Foi só então que eles olharam realmente para frente e perceberam onde estavam. Ambos tinham correntes em seus pulsos, prendendo-os em cima do palanque. Cada um com pescoço preso em uma guilhotina.

Mais adiante, uma cerca impedia que os cidadãos se aproximassem mais, só poderia gritar e comemorar pela morte alheia. Nenhum dos garotos encontrou alguém conhecido, eles agora tinham vinte anos e suas famílias fugiram no instante em que eles foram descobertos.

Não era algo complicado, eles ficaram viciados em apostar um com o outro, viciados na adrenalina de amarem a única pessoa que deveriam detestar. Os dois garotos prodígio de ambos os lados, que deveriam se enfrentar em algum momento para travar qual religião seria a predominante, mas que viraram amigos. Eles se viam toda semana há nove anos, e todas as vezes apostavam algo, até que ficou intenso demais, os desafios começaram a ser arriscados, quase os levando a morte diversas vezes, mas eles adoravam isso.

Ignorando todos os gritos raivosos direcionados a eles, ignorando os diversos hematomas em seus corpos, ignorando os guardas que ajeitavam as lâminas das duas guilhotinas, eles só conseguiam ver um ao outro. Mesmo nesse momento, Shoyo sorriu, isso era algo que irritava Tobio, mas que ele não imaginava viver sem. Todas as vezes em que tudo parecia perdido bastava ele dar esse sorriso, para seu mundo se tornar mais leve, mais brilhante. E para Hinata era igual, bastava aquele olhar fulminante de Kageyama, bastavam aqueles olhos intensos olharem para ele para que ele se sentisse visto, sentisse que era invencível.

Agora, escutavam os homens dizendo coisas, provavelmente coisas terríveis sobre eles, mas não conseguiam ouvir nada, além do seu próprio desespero e alívio.

— Eu... Se tivermos uma próxima vida... – Shoyo tentava dizer, com os olhos se enchendo de lágrimas sem que ao menos percebesse. — Eu aposto que eu te encontro primeiro.

Tobio soltou uma risada, abafada pelo próprio choro que se iniciava, era assustador estar com a morte rindo diante de seus olhos e não sentir medo. Ele estava aliviado, porque havia uma esperança, talvez ele tivesse uma nova vida e pudesse ser honestamente feliz.

— Eu aposto que eu te encontro primeiro.

— Só não vale me esquecer, tudo bem? – foi a última coisa que o ruivo pôde dizer, pois a lâmina caiu, levando a cabeça do mesmo com ela.

Em um impulso Tobio gritou, sentiu seu rosto queimar e a pior dor que já sentiu em toda a sua vida se instaurava por todo seu corpo.

— Eu sou incapaz de me esquecer de você... – soou como um sussurro, suas palavras sendo cortadas pelo ar, pelo som daquela enorme lâmina despencando. Agora estava morto, eles dois estavam.

Eu aposto que... - KageHinaOnde histórias criam vida. Descubra agora