A VIDA DA AUTORA

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A fome tem cor amarela. Pão, café e sabão se tornam os objetos mais citados no diário de uma favelada, editado pelo jornalista Audálio Dantas que foi o responsável por corrigir erros de ortografia e recortar a grafia da autora nos 37 cadernos manuscritos, que ao ler, ficou chocado com a veracidade das palavras e, em 1958, saiu na Folha da Noite, a primeira reportagem de Carolina anunciando o diário. Em 1960, o livro ganhou forma, o jornalista Dantas persuadiu a livraria Francisco de Alves a publicar a obra Quarto de despejo (diário de uma favelada) de Carolina Maria de Jesus. A autora, começa a morar na favela do Canindé, zona norte de São Paulo, como mãe solteira começou a exercer o serviço como catadora de papel, guardava os papéis encontrados na rua para poder escrever. Assim a escritora podia trabalhar e cuidar dos filhos, porque, depois do primeiro, vieram os outros dois, um de cada pai, dois meninos e uma menina. E assim sua trajetória inicia colocando no papel o dia do aniversário da sua filha mais nova Vera Eunice.

15 de julho de 1955

Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos generos alimenti cios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente so mos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar. (JESUS, 2020)

Na rua A, barraco número 9, foi nesse lar que ela começou uma nova jornada onde o papel não era somente o seu sustento, mas também a maneira de se manifestar contra o que considerava injusto na sociedade. A sua escrita era uma forma de denúncia. Carolina dizia que a favela era o quarto de despejo da sociedade.

1 de Julho

Quando eu vou na cidade tenho a impressão que estou no paraizo. Acho sublime ver aquelas mulheres e crianças tão bem vestidas. Tão dife rentes da favela. As casas com seus vasos de flores e cores variadas. Aquelas paisagens há de encantar os olhos dos visitantes de São Paulo, que ignoram que a cidade mais afamada da America do Sul está enferma. Com as suas ulceras. As favelas. (JESUS, 2020)

Em seu diário é possível encontrar argumentos que envolvem sociopolítica, alcoolismo, agressão, sexualidade, escassez e sua experiência de vida na favela do Canindé, localizada na zona norte de São Paulo. A obra retrata, a população julgada como minoria, embora a maioria das periferias seja composta por bairros com maior número de habitantes, atualmente. As favelas se ampliaram temporalmente. Sendo chamadas por outro nome, periferia.

Jesus (1960), ao relatar suas dificuldades por ser moradora e trabalhadora de classe baixa, ao ver o mundo cercado de dualidade entre superficialidade e miséria, nos mostra através de suas palavras a escassez de recursos e a vida das pessoas que batalham expostas à doença na busca por sobrevivência.

17 de junho

Passei a noite assim: eu despertava e escrevia. Depois eu adormecia novamente. As 5 da manhã a Vera começou a vomitar. Eu dei-lhe um calmante, ela dormiu. Quando a chuva passou eu aproveitei para sair. Catei um saco de papel. [...] Eu recebi só 12 cruzeiros. Catei uns tomates e um pouco de alho e vim para casa correndo porque a Vera está doente. Cheguei ela estava dormindo. Com os meus ruidos ela despertou-se. Disse estar com fome. Fui comprar leite e fiz um mingau para ela. Ela tomou e vomitou um verme. Depois levantou-se e andou um pouco e deitou-se outra vez. (Jesus, 2020)

Relacionado ao diário Quarto de despejo, o cenário brasileiro se encaixa em todo um contexto social histórico, com as mudanças na presidência, o golpe militar, a corrupção e o racismo de um Brasil ainda com traços de colonização. onde os termos emprego e patrão - sinhá e escravo - são elementos estruturantes.

16 de junho

Um dia, um branco disse-me: - Se os pretos tivessem chegado ao mundo depois dos brancos, aí os brancos podiam protestar com razão. Mas, nem o branco nem o preto conhece a sua origem O branco é que diz que é superior. Mas que superioridade apresenta o branco? Se o negro bebe pinga, o branco bebe. A enfermidade que atinge o preto, atinge o branco. Se o branco sente fome, o negro tambem. A natureza não seleciona ninguem. (Jesus, 2020, p. 64)

Esse abismo social que existe e não é falado, nem visto. Esse fruto da má distribuição de renda e menos acesso à saúde, segurança e conforto entre os mais necessitados. A falta de equidade que é a palavra que define o direito para todos. Podemos apontar a questão do esforço de Carolina ao assumir a responsabilidade de contar a história que não é somente dela, é surpreendente, de acordo que descreveu realidade histórica e política de sua época.

Inconformada, incompreendida pela sociedade, a obra continua sendo é objeto de estudo no tempo presente. Enquanto o Brasil continua sendo um país problemático.

Vida e obra de Carolina Maria de Jesus em tempos modernos Onde histórias criam vida. Descubra agora