O campo de girassóis se estendia à minha frente, um mar dourado que parecia não ter fim. Eu estava ali, parada, os braços cruzados em uma tentativa de me proteger do frio que eu sabia que não vinha do vento suave que balançava as flores ao meu redor, mas sim de dentro de mim. O céu estava tingido pelos tons suaves do entardecer, e a luz do sol desaparecia lentamente, pintando o cenário com um toque quase mágico, enquanto eu tentava reunir coragem para o que precisava dizer.
Respirei fundo, sentindo o peso das palavras que estavam prestes a escapar. A verdade que eu carregava em meu peito por tanto tempo estava sufocando-me, e naquele instante, parecia que cada batida do meu coração estava gritando para ser ouvida. Com um coração que parecia pronto para explodir e os pensamentos em completa desordem, virei-me para encarar Victório, que estava a poucos passos de mim, perdido na beleza do horizonte, sem perceber o turbilhão que se formava dentro de mim.
Eu sabia que ele sentiu minha mudança de postura antes mesmo de perceber que estava me encarando. O olhar dele, aqueles olhos cor de mel que sempre me trouxeram conforto, agora me encaravam com preocupação. “O que te incomoda, minha amiga?” Ele perguntou, a voz dele carregava aquela serenidade que sempre me acalmou, mas naquele momento, parecia tão fora de sintonia com a tempestade dentro de mim.
Hesitei, as palavras presas na minha garganta, como um nó impossível de desatar. Como eu poderia confessar ao meu melhor amigo, o único que esteve ao meu lado desde a infância, que sempre fui apaixonada por ele? Era como se eu estivesse à beira de um precipício, prestes a pular sem saber se haveria algo para me segurar. Antes que pudesse reconsiderar, as palavras escaparam dos meus lábios, quase como um sussurro, como se ao serem ditas tão suavemente pudessem diminuir o impacto.
“Estou apaixonada,” murmurei, mais para mim do que para ele, a voz saindo muito mais suave do que eu esperava.
O sorriso que ele me deu em resposta foi como um golpe, aquele sorriso que sempre me desarmou, agora parecia uma lâmina, cortante e cruel em sua ignorância. “Que bom, fico feliz por você,” ele disse, e eu senti o chão sob meus pés se desintegrar.
Meu rosto queimou de vergonha e frustração, e eu baixei os olhos, tentando esconder o turbilhão de emoções que me consumia. Como eu poderia explicar que não estava falando de outra pessoa, mas dele? Antes que pudesse encontrar uma forma de me fazer entender, Victório se inclinou um pouco para frente, tentando capturar meu olhar, como se isso pudesse lhe dar respostas. “Por que está triste?” Ele perguntou, a mão dele pousando levemente em meu braço, um toque que normalmente me traria conforto, mas agora parecia pesar uma tonelada.
A pressão dentro de mim era insuportável. “Essa situação é complicada demais,” murmurei, sentindo as palavras saírem com dificuldade. “Ele não corresponde aos meus sentimentos. Eu o amo há anos, mas ele sempre escolhe outras, em vez de mim.”
As lágrimas começaram a rolar por meu rosto, quentes e inevitáveis, cada uma carregando um pouco da dor que eu vinha acumulando. Victório, sem hesitar, se aproximou ainda mais, e com um gesto quase automático, começou a enxugar minhas lágrimas com seus dedos longos. “Esse cara é um idiota,” ele disse, a voz carregando uma tensão que eu nunca tinha ouvido antes. “Ele não sabe o que está perdendo.”
Foi naquele momento, naquele toque gentil, na proximidade que sempre me confortou, que algo dentro de mim finalmente se rompeu. Nossos olhares se encontraram, e por um instante, era como se o tempo tivesse congelado ao nosso redor. Nada mais existia além daquela troca de olhares, carregada de tudo o que nunca foi dito.
“Esse cara… é você,” sussurrei, finalmente liberando a verdade que me consumia.
O silêncio que se seguiu era quase insuportável. Victório me encarou, os olhos dele, antes tão familiares e reconfortantes, agora estavam sombrios, carregados de uma confusão que eu nunca tinha visto antes. Ele se afastou, como se a revelação tivesse sido um golpe inesperado, algo que ele não conseguia processar tão de perto.
“Alessandra… eu…” Ele começou, mas as palavras pareciam ter falhado.
Eu senti o mundo ao meu redor desmoronar. Todas as memórias de infância, os momentos compartilhados, as risadas, as lágrimas – tudo parecia tingido por essa nova realidade que eu havia criado com minha confissão. Victório, meu amigo mais querido, agora sabia a verdade, e o silêncio entre nós era mais doloroso do que qualquer coisa que ele pudesse ter dito.
Ficamos ali, em meio ao campo de girassóis, a brisa que antes parecia tão reconfortante agora era fria e distante. Eu sabia que algo havia mudado irremediavelmente entre nós, mas também sabia que precisava ter dito. Mesmo que o preço fosse esse silêncio pesado, eu não podia mais carregar esse fardo sozinha.
Com o coração em pedaços e a alma completamente exposta, olhei uma última vez para o horizonte, sentindo que, de alguma forma, o sol que se punha estava levando consigo algo mais do que apenas a luz do dia. Estava levando um pedaço de mim.
Aquele dia foi a última vez que vi Victório. Decidimos que seria melhor assim, afinal, ele não sentia o mesmo que eu. Meu coração já estava despedaçado, mas as palavras dele só fizeram aumentar a dor. Quando me disse que iria embora, que planejava se mudar para outro estado para estudar, foi como se tivesse levado um soco no estômago. O ar pareceu fugir dos meus pulmões, e uma náusea tomou conta de mim. Tudo ao meu redor ficou embaçado, como se o mundo estivesse desmoronando, e eu estivesse caindo junto.
Voltei para casa destruída, como se algo dentro de mim estivesse morrendo lentamente. Cada passo parecia mais pesado do que o anterior, e a dor era insuportável. Eu vivia no automático, como se minha vida tivesse perdido o brilho. Ia para a escola, fazia minhas tarefas, comia, mas cada noite terminava em lágrimas. Sentia que estava me desmanchando por dentro.
Naquela mesma semana, enquanto rolava o feed do Facebook, vi uma atualização de Victório. Ele estava namorando. Aquilo foi a gota d’água. Meu coração, já em pedaços, finalmente se desfez. Chorei tudo o que ainda restava para chorar, como se quisesse exorcizar a dor. E naquele momento, prometi a mim mesma que nunca mais deixaria alguém me fazer sentir assim.
Decidi focar nos estudos como uma forma de escapar da dor. Mergulhei nos livros e me dediquei como nunca antes. Com o tempo, passei em uma universidade federal, e os anos que se seguiram foram dedicados a me tornar uma excelente enfermeira. Minha determinação era minha armadura, e eu a usei para me proteger das lembranças. No final, consegui entrar em um dos melhores hospitais de São Paulo, e apesar de todas as cicatrizes, sabia que tinha conseguido superar a dor e construir algo sólido em minha vida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Talvez Não Seja Um Pra Sempre
RomanceAnos após terem seguido caminhos diferentes, o destino traz Alessandra e Victório de volta à vida um do outro de forma inesperada e dolorosa. Ela, agora uma enfermeira experiente, dedicada a cuidar dos outros, não imagina que seu próximo paciente se...