"Temos a arte para não morrer perante a verdade"
— Friedrich Nietzsche
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Encarando o teto, vejo as gotas de chuva escorregando a vidraça da janela, que são reluzidas a luz da lua cheia. 23:43 e já se ouve o barulho dos fogos de artifício sendo lançados. Me impressiona o entusiasmo de quem, em uma plena noite de domingo chuvoso, sai de suas casas para festejar. Considero esta comemoração como algo quase que humilhante. Como se não existissem motivos para se comemorar e, o que nos sobrasse, fosse uma noite para a troca de calendários.
Levanto de minha cama e me abraço ao sentir a brisa gélida se lançar disparada contra meu corpo, arrepiando até minha espinha. Enquanto dou cada passo em direção à porta de meu quarto, me apoio na parede fria, mas nem tanto quanto o resto dos objetos, tentando cambalear ao menos e manter meus olhos abertos. Chegando ao corredor, pouso minha mão em minha testa quente, afastando os chiados e dores que me vinham.
Minha noite pode se resumir em uma palavra, apenas: melancolia. Na verdade, não apenas minha noite, mas sim tudo. Tudo o que faço, acaba me levando, de um jeito ou de outro, para este sentimento. Parece infernal, levando em conta que já faz parte de minha rotina tê-lo como companhia.
Se isso importa, é algo que não sei mais responder. Já não me lembro mais de quando esta sensação tão grande tomou conta da minha vida. Chega a ser engraçado. É como se fosse impossibilitada de avançar, porque algo havia tomado um espaço grande de mais dentro de mim. Algo vazio. Algo inútil. Um fardo.
Mas também não me lembro de ter me importado com isso algum dia. Qual é a diferença? Não dará resultados. Por que se esforçar para mudar? Um sentimento é o menor de meus problemas. Não preciso avançar. Não há razões, muito menos necessidade.
Um corpo vivo de alma morta, é como definiria meu estado neste momento. Algo que é tão repetido que é quase como se não fosse nada. Repetições ajudam a fazer com que algo se torne nada. Vazio. Sem razão. Mas sempre tem uma razão. Apenas específica e cansativa de compreender. Ela existe. Sempre existiu.
Desço cada degrau da escada me vangloriando por conseguir não cair escada abaixo. O luar, mais uma vez, invade toda a sala, a iluminando suavemente. Vou em direção a janela, que estava toda aberta fazendo as cortinas voarem e que, por sorte, não molhou a sala inteira com a chuva fina que caía.
Me debruço à janela, sentindo sua margem de cimento e travessa metálica gelarem ainda mais meus braços. Mas não me incomodo, encarando todos os adolescentes bêbados gritando para os fogos e dançando inconsequentemente. Sinto vontade de ter raiva deles, mas algo não me permite. Parecem todos tão... felizes, talvez.
Estão todos ali, muitos talvez nem se conheciam. Mas festejam, sem parecer se importar em qualquer outra coisa que não fosse o agora. Uma pontada de inveja me atingiu, mas não é o suficiente para desejar estar com eles. Se existe algo que eu jamais terei, será querer ser como eles.
Saio da janela, pois sei que não aguentaria ficar ali por mais tempo, e vou em direção à cozinha, em passos pesados, largos e ligeiros. Apoio minhas duas palmas da mão abertas contra a bancada de mármore da pia, sentindo-as ficarem molhadas. Sentiria nojo, mas bloqueio isso também. Lanço, novamente, meu polegar e indicador sob as laterais de minha testa, às sentindo latejar.
Com um pouco de força de vontade, pego a leiteira vermelha — que fica alta o suficiente no armário para que tenha de ficar na ponta dos pés para alcançá-la — e a encho de água, aparentemente, suficiente para uma xícara, mais ou menos. Ligo o fogo alto e, após preparar minha xícara com um saco de chá verde, me apoio no balcão, que divide a sala da cozinha. Deixo a água no fogo por menos de um minuto para esquentá-la, mas ainda não fervendo.
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17 Dias em Metrônomo
RomanceToco, toco e toco. Toco cada música que sei com maestria o suficiente para não ter que ligar a luz para enxergar a partitura. Toco tantas vezes que o som que saí já se tornou mais um ruído qualquer ao ar, que corre até meus ouvidos - como os dos fog...