Prólogo

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Nós estávamos no apartamento mais feio de toda Manhattan, e o problema não era meu cérebro estar desligado de qualquer senso de apreciação artística: todos aqueles quadros eram mesmo objetivamente horrorosos. Em um deles havia uma perna peluda crescendo dentro de um vaso, como uma flor. Em outro havia uma boca com macarrão escorrendo pelos cantos. Ao meu lado, meu irmão mais velho e meu pai se mostravam pensativos, como se entendessem aquilo que viam. Tive que forçá-los a continuar andando; afinal, essa era a regra social implícita: os convidados de uma festa precisam primeiro andar ao redor do apartamento apreciando as obras de arte do anfitrião, e só depois podem se esbaldar nos comes e bebes.

Mas lá no fundo, sobre a grandiosa lareira e entre dois candelabros extravagantes, havia um quadro com o desenho de uma dupla hélice - a estrutura da molécula de DNA -, e cobrindo toda a tela havia uma citação de Tim Burton: Todos nós sabemos que romance entre espécies é algo estranho.

Eu tive que rir e dizer para Rony e meu pai:

- Certo. Aquele é legal.

Rony suspirou.

- É claro que você tinha que gostar desse aí.

Olhei de novo para o quadro e depois encarei meu irmão.

- Como assim? Só porque é a única coisa neste lugar que faz algum sentido?

Ele se virou para meu pai e os dois trocaram olhares, como se algum tipo de permissão entre pai e filho tivesse sido concedida.

- Precisamos conversar sobre sua relação com seu trabalho.

Demorei um pouco antes de digerir suas palavras, seu tom de voz e sua expressão determinada.

- Rony - eu disse. - Nós vamos mesmo ter essa conversa aqui?

- Sim, aqui - seus olhos verdes se estreitaram. - É a primeira vez que vejo você fora do laboratório nos últimos dois dias, com exceção de quando você está dormindo ou comendo alguma porcaria com pressa.

Eu nunca deixava de notar como os traços de personalidade mais fortes dos meus pais - vigilância, charme, cautela, impulsividade e obstinação - pareciam distribuídos precisamente entre seus cinco filhos.

Vigilância e obstinação iriam agora travar uma batalha no meio de uma festinha em Manhattan.

- Estamos numa festa, Rony. As pessoas esperam que a gente converse sobre toda essa arte maravilhosa ao nosso redor - eu disse, mostrando vagamente as paredes da sala de estar cheia de opulência. - E sobre o escândalo que é... sei lá, alguma coisa - eu não fazia ideia de qual era a fofoca do momento, e essa minha última demonstração de ignorância social apenas confirmou o argumento do meu irmão.

Não pude deixar de perceber a força que ele fez para não revirar os olhos.

Meu pai me entregou um aperitivo que parecia uma lesma numa bolachinha, e eu discretamente o dispensei numa bandeja quando uma garçonete passou por perto. Meu vestido novo me pinicava, e eu desejei ter perguntado às minhas colegas de trabalho sobre essa nova meia-calça Spanx que eu estava usando. Assim que a vesti, pensei que ela tinha sido criada pelo Satã em pessoa, ou por algum homem que era magro demais até para aqueles jeans apertados que estão na moda.

- Você não é apenas inteligente - Rony continuou a conversa. - Você é engraçada. Você é social. Você é uma garota bonita.

- Mulher - eu corrigi, resmungando. - Mulher bonita.

Ele se aproximou, mantendo nossa conversa apenas entre nós. Que Deus nos acudisse se alguém da high society de Nova York ouvisse sua lição de como me tornar mais socialmente depravada.

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