UM dos enfeites em seu cabelo pica o couro cabeludo e ela não pode coçar. Os fios castanhos foram puxados com força, presos apertados em um coque elaborado, de onde alguns cachos escapam propositalmente. O penteado é bonito e as pedras brilhantes presas aos pingentes que dispuseram no topo e ao redor, combinam com o azul claro do vestido. A maquiagem é leve, destacando seu olhos verdes, a mulher que a encara no espelho está linda, mas não há animação real em suas feições.
—︎ Sorria Valery, não deixe que seu noivo pense que estou a forçando.—︎ A mãe aparece por detrás dela no espelho, o vestido vermelho é cravejado com pequenos rubis que descem da gola alta, pelo busto avantajado e mangas longas, desaparecendo na longa saia esvoaçante. Os olhos da mãe, verdes como o seu, deslizam pela sua imagem, medindo e julgando. Valery a assisti apertar os lábios pintados de vermelho e acenar em aprovação.
—︎ Estou sendo forçada.—︎ Ela murmura, pelo franzir das sobrancelhas da outra mulher, está claro que foi o suficiente para ser ouvida.
—︎ Guarde suas ruminações para si.—︎ A mãe é rápida em repreende-lá.
O silêncio cai sobre as duas, antes que a pequena mão da mãe toque seu braço e a incentive a virar, para que ambas esteja frente a frente. Valery morde o interior do lábio inferior, seus olhos incapaz de encontrar o da mãe. Ela está magoada, não é apenas a birra de uma criança, aquele era o seu futuro, foi injusto que as decisões sobre o mesmo fossem tiradas de suas mãos.
—︎ Ouça criança, esse não é um mundo de mulheres, não seja arrogante, seja sabia. Fale pouco e observe mais, os homens não são bons, eles não gostam de mulheres espertas. Esse é o conselho mais sincero que poderia lhe oferecer, você descobrira com o tempo, os sonhos não foram feitos para nós.—︎ A voz da mãe é severa, como sempre foi, mas Valery a conhece há 23 anos, ela pode ouvir o leve tremor em seu tom, ela sente como sua pequena mão aperta seu braço.
Custa a Valery não chorar, há um bolo em sua garganta e um frio em sua barriga. É triste, mas é verdade, a mãe está certa, sempre esteve. Milla nunca foi uma mulher espontânea, brilhante e vivaz, ela foi criada para ser uma dama polida, cheia de graça, de feições compostas. De forma igual, a mãe não foi uma mãe acolhedora, que lhe acalentou e lhe contou histórias fantasiosas. As histórias que a mãe contou-lhe foram reais, ela nunca a fez criar ilusões sobre o mundo, ela trabalhou para que Valery estivesse ciente de como a realidade foi fria e inóspita.
Suas histórias eram sobre mulheres infelizes, aquelas que ousaram desejar e sonhar com possibilidades além do alcance delas. Foi a filha do jardineiro que cativou a atenção do barão, deitou-se com ele na vão ilusão de um futuro melhor e dessa relação tivera um filho bastardo, para logo ser despejada, ela e o filho, deixados para morrer nas vielas como uma prostituta e uma criança incapaz de sobreviver ao primeiro inverno. Foi sobre a única filha de um visconde, aquela que pensou em reivindicar a herança do pai quando este não voltou de sua expedição no mar, para ser expurgada da sociedade e apedrejada como uma mulher maldita, cobiçosa e ardilosa, pronta para afanar a herança que por direito pertencia a um primo vários graus distante.
Em Dharian, mulheres não foram vistas como nada além de um bem, que passou do pai para o marido, comercializadas como um objetivo, as vezes um fardo. Descartadas quando inúteis, mordas quando rebeldes. Infelizmente, pela concepção da mãe, Valery ainda sonhou, ainda desejou poder ser algo mais que um objeto.
—︎ Desculpe. Estou cansada, foi um lapso de língua.—︎ A mentira é fácil, não é a primeira vez que Valery o faz para apaziguar a mãe. —︎ A maquiagem, penteado e roupa estarão um desastre até o fim da viagem. —︎ Ela acrescentou, mascarando sua primeira sentença com uma verdade.
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O azul mais profundo
RomanceValery, como muitas das mulheres de sua vida, foi forçada a um casamento arranjado. Tratada como um bem, ela foi enfeitada e enviada para o encontro de seu futuro marido. Mas Valery era uma sonhadora, ela desejou muito mais que um futuro miserável e...