Aqui estou eu no silêncio da noite, a recordar os nossos momentos. Tu partiste sem mais nem menos, deixando aquilo que era um lar colorido, num lar apagado. Deixando para trás, algo que te era um tudo, ou que pelo menos aparentava ser.
Deixaste para trás a tua bebé, aquela que decidiste deixar vir ao mundo. Sem dó nem piedade, deixaste-nos.
Ainda me lembro das últimas palavras.
#FLASHBACK#
Eu dizia-te: Papá, fica mais uma noite, va lá, dormes comigo, não vás embora!
Tu respondeste em seco: "Nao vai adiantar de nada, é só mais uma noite. Deixa-me ir."
#FIM DO FLASHBACK#
E foi assim, tu foste embora, deste-me um beijo e saiste porta fora, sem olhares para trás, sem quereres saber de mim.
Nunca soubeste como fiquei nessa noite, mas agora eu conto-te, pormenor a pormenor.
Fechaste a porta, e eu desabei, senti o meu mundo a desabar. "Eras meu pai! Como foste capaz?", dizia eu para os meus botões. Eras o meu tudo. Nao me imaginava sem ti. Nessa noite antes de ir "dormir" lembrei tudo o que passámos ao longo de 5 anos. Lembrei-me das noites em que ficávamos a brincar com os camiões e os carrinhos, as tardes em que eu, tu e a mãe jogávamos jogos de tabuleiro, e eu chorava cada vez que percebia que tava a perder. E tu? Tu fazias batota e deixavas-me ganhar, só pra veres um sorriso na minha cara. Tao depressa ponhas um sorriso na minha cara, como me ponhas a chorar. "Era necessario tudo isto mamã? Ele nao podia ficar? Nem mais um bocadinho?"- dizia eu para a mãe. A mãe ja nao sabia o que mais fazer, para me consolar. Fui para a sala, tinha um saco de gomas na mesa, comi-o todo. Será que ainda te lembras onde arranjei as gomas? Foi no aeroporto, na tarde em que fomos deixar a bisavó, para ela voltar pra casa. Ja nao me lembro, mas creio que foi a última vez que a vi viva. Tal como nós. Naquela noite, a relação que tínhamos de pai e filha, morreu. Morreu no momento em que fechaste a porta, morreu ali, diante dos meus olhos cheios de lágrimas.
