2018, Doha

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2023
Rio de Janeiro

Simone Biles casou. Ela realmente foi adiante com o noivado. Ela realmente subiu no altar.

Rebeca sentia que poderia vomitar.

“Caralho, ela não tava te mandando mensagem, tipo, há duas semanas?” Lorrane perguntou, passando o carrossel de fotos publicadas da cerimônia.

Sim, ela estava. Rebeca não respondeu a pergunta retórica da amiga, mas imediatamente sua mente desenhou as palavras cravadas em sua alma após tantas vezes que as leu e releu.

Não importa quanto tempo passe, às vezes eu me pergunto se você pensa em mim como eu penso em você.

“Eu sinto muito, amiga.” Flávia tentou, soando tão ansiosa quanto a própria Rebeca.

“Que filha da puta!” Lorrane xingou, indignada.

É ridículo como você tá sempre presente, Rebeca. Toda vez que entro em um ginásio, penso em você. 

Rebeca coçou os olhos, secando as gotas salgadas mais teimosas, e respirou fundo. Caminhou até a pia do banheiro, molhou as mãos e umedeceu sua nunca, girando o pescoço de um lado para o outro em uma tentativa de relaxamento.

“O que você quer fazer? Quer ir pra casa?” Flávia perguntou. “Nós vamos agora, se você quiser.”

“Ah, mas não vamos, não! Chega dessa idiota exercer tanto poder assim na Rebe.” Lorrane protestou. “Vamos voltar pra mesa e nos divertir com as meninas e Simone que vá pra puta que pariu.”

“Lô, mas não é assim.” Flávia tentou apaziguar e logo recebeu mais respostas impacientes de Lorrane, as duas entrando em um pequeno debate sobre o que seria melhor pra Rebeca.

Mas tudo isso era plano de fundo.

Eu gostaria de ter tentado.

***

2018
Doha, Catar

Após oito meses de recuperação e fisioterapia, idas e vindas do ginásio tentando se restabelecer e ter dado o melhor de si em outras competições, Rebeca pousou em Doha duas semanas antes do Campeonato Mundial de Ginástica Artística.

A lembrança do que havia lhe acontecido no ano anterior era fresca em sua mente, e às vezes a ansiedade a fazia reviver momentos que gostaria de esquecer.

Conseguia ouvir perfeitamente a voz de seu médico lamentando, sua tentativa de se manter profissional e, ao mesmo tempo, a acolhê-la enquanto lhe dava a notícia de que, mais uma vez, ficaria de fora do Mundial.

Rebeca se lembra de segurar as lágrimas só até a porta do quarto hospitalar ser fechada, e quando elas finalmente vieram à tona, parecia que não iam parar mais. Ela havia chegado tão longe, ela já estava em Toronto, onde ocorreria o Campeonato, e de repente viu seu sonho esvair pelos seus dedos.

A segunda lesão deixou marcas muito mais profundas do que a física. Desde que se feriu durante o treinamento em Toronto, Rebeca estava com muito medo dessa sequência de lesões a obrigar deixar o sonho da ginástica bem mais cedo do que esperava.

Rebeca, como toda atleta, treina por horas seguidas, todos os dias, e repete o mesmo elemento tantas vezes até que seu corpo saiba fazê-lo sem que ela sequer precise pensar sobre. Como ela pode continuar a ser uma ginasta sem poder confiar em seu instrumento de trabalho?

Sabia que havia feito um bom progresso desde o acidente, mas temia que o tempo parada a deixasse para trás.

A brasileira respirou fundo, desfazendo a mala no quarto do hotel em que estava hospedada, perdida em seus pensamentos. O peso de representar o Brasil e das expectativas que estavam caindo sobre ela a atingia aos poucos, por mais que tentasse evitar. Não se trata apenas da medalha em si, ou mesmo do dinheiro que ganharia ao subir no pódio. É sobre representação. É sobre tornar a ginástica, no Brasil, mais conhecida, respeitada, valorizada e, principalmente, financiada por investidores e o governo federal.

sob seu olhar | Rebeca Andrade & Simone Biles | RebilesOnde histórias criam vida. Descubra agora