Passageira _01

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10 de agosto de 2024
Aeroporto de Cascavel-PR

Embarque do Voo:2283_ VoePass ATR-72
11:00 horas.

Horas antes de embarcar no voo da Voe Pass para São Paulo aquela manhã,Maria Teresa, uma senhora de cabelos prateados e passos decididos, cruzava o saguão do aeroporto com a mesma confiança que sempre carregara na vida. Usava um casaco de lã azul-marinho que a envolvia como uma lembrança do lar, e em suas mãos segurava uma bolsa de couro envelhecida, companheira de longas viagens.

Estava prestes a embarcar para São Paulo onde encontraria sua filha e netos, uma viagem que planejara com ansiedade.

O saguão estava cheio de viajantes apressados, carregados de malas e preocupações, mas Maria Teresa se destacava pela serenidade em seu semblante.

Mas aquela calma seria posta à prova antes que ela alcançasse o portão de embarque.

Ao passar por um café no canto do saguão, Maria Teresa sentiu um leve toque em seu cotovelo. Virando-se, encontrou um homem de aparência cansada e roupas sujas, cujos olhos claros e expressão triste a observaram com uma humildade quase desconcertante.

Ele era magro, com barba por fazer e cabelos desalinhados, vestindo um casaco surrado que parecia ter enfrentado muitos invernos.

_"Senhora, poderia me dar um trocado para eu comprar um café?"_ perguntou ele, sua voz rouca e suave.

O pedido, tão simples, ressoou como um eco em sua mente. Maria Teresa olhou para ele por um momento que pareceu durar uma eternidade, mas apenas balançou a cabeça, apertando sua bolsa contra o peito e se afastando com passos rápidos.

_"Desculpe, estou com pressa"_ murmurou, quase inaudível, enquanto seguia adiante.

A recusa de Maria Teresa não foi abrupta, mas firme, uma reação que ela justificava internamente como necessária. O aeroporto não era lugar para interações com estranhos, especialmente alguém que poderia estar pedindo dinheiro para outros fins, pensou.

Ela tinha um voo a pegar, pessoas que a esperavam. A questão era que ela não podia se dar ao luxo de se distrair ou perder o foco. Contudo, enquanto seus passos ecoavam nos corredores largos e iluminados do aeroporto, o pedido do homem continuava a ressoar em sua mente.

A voz dele era um sussurro persistente, um lembrete incômodo de que ela havia ignorado alguém em necessidade. Mas Maria Teresa, tentando afastar qualquer pensamento de culpa, se concentrou na viagem à frente.

O portão de embarque estava próximo, e Maria Teresa se viu parada em uma fila que avançava lentamente. Com o bilhete em mãos, aguardava sua vez de passar pela verificação de segurança. O fluxo de pessoas ao seu redor parecia uma coreografia cuidadosamente orquestrada, onde cada um tinha seu papel a desempenhar.

No entanto, mesmo em meio a essa multidão organizada, ela não conseguia afastar a imagem do homem de seus pensamentos. Seus olhos claros, quase transparentes, a perseguiam como um fantasma que não podia ser exorcizado. Ela tentou se distrair observando os outros passageiros, mas era como se aquele encontro tivesse plantado uma semente que agora começava a germinar, forçando-a a encarar algo que preferia ignorar.

Quando finalmente passou pela segurança e se dirigiu ao portão de embarque, Maria Teresa notou um pequeno quiosque que vendia lanches e bebidas.

O cheiro de café fresco e salgados assados preencheu o ar, evocando uma sensação de conforto. Parou por um momento, como que atraída por um impulso que não conseguia entender completamente. Ela não estava com fome, mas sentiu-se compelida a comprar algo.

Talvez um salgado para a viagem. Aproximou-se do balcão, seus dedos tocando as moedas no fundo da bolsa, e ao fazer isso, o rosto do homem voltou à sua mente:

_"Senhora, poderia me dar um trocado para eu comprar um café?".

A frase repetia-se como um eco, mas dessa vez, não soava como uma súplica. Era uma oportunidade, uma escolha a ser feita.

O atendente do quiosque, um jovem com um sorriso acolhedor, aguardava pacientemente enquanto Maria Teresa analisava a variedade de salgados à sua frente. Sem pensar muito, ela apontou para uma empada de frango, sua mente ainda dividida entre o presente e o passado recente. Pegou o salgado e, enquanto pagava, de repente sentiu uma necessidade incontrolável de voltar.

Com o pacote em mãos, Maria Teresa olhou para o corredor que havia acabado de percorrer. O homem provavelmente já tinha se ido, mas a inquietação dentro dela a obrigou a tentar. Sentia uma urgência inesperada, como se a conclusão de sua viagem dependesse de algo maior do que apenas pegar o voo.

Voltar pelo saguão era quase como caminhar de volta no tempo. Cada passo reverberava com a expectativa de encontrar aquele homem, e, surpreendentemente, ele ainda estava lá, sentado em um banco de metal, com a cabeça baixa e os olhos perdidos no chão.

Ele não a viu se aproximar de imediato. Maria Teresa hesitou por um segundo, segurando a empada com as duas mãos, antes de finalmente se abaixar ao lado dele.

_"Aqui, para você. Sei que pediu dinheiro para um café, mas achei que talvez estivesse com fome"_disse ela, estendendo-lhe o salgado.

A expressão de surpresa e gratidão no rosto do homem foi quase dolorosa. Seus olhos se encheram de lágrimas, e por um instante, Maria Teresa viu toda a sua humanidade refletida neles:

_ "Muito obrigado, senhora. Não sabe como isso significa para mim"_ respondeu ele, com a voz embargada pela emoção.

Maria Teresa sentiu uma onda de calor espalhar-se por seu peito, uma sensação que não experimentava há muito tempo. Ela sorriu para ele, um sorriso genuíno que parecia iluminar o ambiente ao redor.

_"Às vezes, tudo o que precisamos é de um pouco de bondade"_disse ela suavemente, antes de se levantar.

O homem a observou se afastar, ainda surpreso pela gentileza inesperada, enquanto ela sentia que algo dentro dela havia mudado, como se uma porta trancada há muito tempo tivesse finalmente se aberto.

Quando Maria Teresa finalmente chegou ao portão de embarque, os últimos passageiros estavam embarcando.

Ela se apressou, mas o peso que sentia ao passar pela segurança havia desaparecido, substituído por uma leveza que mal podia explicar. Ao entrar no avião, olhou pela janela e viu o homem ao longe, ainda sentado no banco.

Ele parecia menor agora, mas sua presença era inconfundível. Maria Teresa fechou os olhos e respirou fundo, sentindo uma paz que há muito não sentia.

A vida tinha uma maneira de nos lembrar do que realmente importava, e naquele dia, no aeroporto, ela redescobriu uma verdade simples, mas poderosa:

" o que damos aos outros, damos a nós mesmos."

Continua...

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