10 de Agosto de 2024
Aeroporto de Cascavel-PREmbarque do Voo:2283_VoePass ATR-72
11:05 horasClara e Henrique aguardavam o voo que os levaria para São Paulo. Era a primeira vez que iam descansar em sua casa de férias Paulista , um sonho realizado após anos de trabalho duro.
Eles se acomodaram em cadeiras de couro azul, com as malas ao lado, enquanto a movimentação constante ao redor deles parecia aumentar sua ansiedade. Clara, sempre meticulosa, conferia os documentos de viagem pela terceira vez, enquanto Henrique, mais relaxado, observava os aviões decolarem pela janela.
O som das turbinas soava como um prelúdio de liberdade, mas algo os mantinha presos ao chão.
O celular de Henrique vibrou em seu bolso, quebrando o breve momento de paz. Era o oficial de justiça, encarregado de despejar um casal de idosos que ocupava o terreno recém-comprado.
Henrique hesitou por um segundo antes de atender, sentindo o peso da responsabilidade. Do outro lado da linha, a voz fria e profissional do oficial detalhava a situação.
A casa estava pronta para ser demolida, e os policiais aguardavam apenas a ordem final. Henrique trocou um olhar com Clara, que agora estava visivelmente inquieta.
Cada palavra do oficial parecia ressoar com uma urgência crescente, como se o tempo estivesse se esgotando. Clara, geralmente decidida, agora se mostrava incerta:
_“Não temos escolha, Henrique,”_ ela sussurrou, tentando convencer a si mesma.
O futuro da empresa que planejavam construir ali dependia daquele terreno, e os investidores estavam impacientes. Porém, a ideia de expulsar uma família que havia vivido lá por uma década era difícil de engolir.
A voz do oficial soava impessoal, como se aquilo fosse apenas mais um caso rotineiro. Mas para Clara e Henrique, era tudo menos isso.
Eles podiam imaginar a cena: o casal de idosos, de cabelos brancos e mãos calejadas, observando impotentes enquanto suas vidas eram destruídas.
O som das máquinas pesadas, prontas para derrubar paredes que abrigaram tantas memórias, era quase ensurdecedor em suas mentes. A decisão que tomassem ali, no terminal do aeroporto, não só definiria o futuro da empresa, mas também quem eles realmente eram.
Enquanto o oficial continuava a falar, Clara apertou a mão de Henrique, buscando apoio:
_"E se não for o certo?"_ ela pensou, sua mente correndo entre a ética e a necessidade.
Henrique, por sua vez, sentia o peso da decisão sobre seus ombros. Ele sempre foi um homem de negócios prático, mas aquele momento o fazia questionar suas prioridades.
Os olhos de Clara refletiam o mesmo conflito interno, e o silêncio entre eles era tão denso quanto a neblina que começava a envolver o aeroporto.
Do outro lado da linha, o oficial começou a listar as opções. Despejo imediato com demolição, ou um acordo para que a família saísse voluntariamente em algumas semanas. O coração de Clara apertou.
Eles estavam prestes a embarcar para uma nova viagem, mas o que deixariam para trás? As vozes de seus pais ecoavam em suas cabeças, lembrando-lhes dos valores com os quais foram criados: compaixão, empatia, respeito pela dignidade humana.
Clara sabia que o tempo estava se esgotando, mas também sabia que essa decisão poderia moldar quem eles seriam no futuro.
"Henrique," ela começou, sua voz carregada de incerteza.
_ "Talvez possamos encontrar outra solução. Não quero viajar com essa culpa."
Henrique olhou para ela, surpreso. Ela sempre foi a mais pragmática dos dois, mas havia uma verdade naquelas palavras que ele não podia ignorar.
Ele se levantou e começou a caminhar de um lado para o outro, tentando organizar os pensamentos. As luzes do aeroporto piscavam acima, como se o destino estivesse esperando sua resposta.
Por um momento, ambos ficaram em silêncio, apenas ouvindo o som distante dos anúncios de voo e o murmúrio das pessoas ao redor.
Eles tinham uma escolha a fazer, e ela definiria o tipo de pessoas que eram. Henrique, sentindo o peso da decisão, finalmente parou e olhou nos olhos de Clara:
_ "Não podemos simplesmente ignorar isso, Clara. Se fosse nossa família, como gostaríamos de ser tratados?"
Clara acenou lentamente, concordando.
_"Precisamos fazer o que é certo, mesmo que não seja o mais fácil."
Com um suspiro profundo, Henrique pegou o telefone novamente e pediu ao oficial para colocar o despejo em espera. Do outro lado, a surpresa era evidente, mas o oficial cumpriu as ordens. O tempo parecia desacelerar enquanto Henrique e Clara processavam o que haviam decidido.
A tensão no ambiente se dissipou lentamente, dando lugar a uma estranha calma. Clara sentiu uma leveza que não esperava sentir, como se um peso invisível tivesse sido removido de seus ombros. Eles decidiram que, ao invés de destruir o que aquela família tinha, poderiam oferecer ajuda para encontrar uma solução melhor.
Talvez pudessem comprar uma pequena casa para eles em outro local ou ajudar de alguma outra forma que não fosse tão devastadora.
Enquanto caminhavam em direção ao portão de embarque, o coração de Clara se encheu de uma mistura de alívio e esperança.
Eles não sabiam como os investidores reagiriam à notícia, mas naquele momento, isso parecia irrelevante. O importante era que tinham tomado uma decisão baseada em algo maior do que dinheiro ou negócios.
Henrique, ao pegar a mão de Clara, sentiu uma nova energia surgir dentro dele:
_"Vamos para São Paulo, Clara. Mas quando voltarmos, resolveremos isso da maneira certa."_ Ela sorriu, sentindo que finalmente estavam prontos para começar essa nova fase de suas vidas com o coração no lugar certo.
O voo foi chamado, e eles embarcaram, deixando para trás não só o aeroporto, mas também uma versão de si mesmos que não estavam dispostos a ser.
A decisão que tomaram naquele terminal de aeroporto seria o primeiro tijolo de uma fundação diferente, uma que misturava sucesso com humanidade.
Eles sabiam que o futuro ainda era incerto, mas ao menos agora, estavam confiantes de que o estavam construindo com os valores que realmente importavam.
Continua...
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VOO 2282 VOE PASS
Genel KurguAs histórias de vida interrompidas por um acidente aéreo que chocou um país inteiro.