Capítulo 4: A casa da sumaúma

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O solavanco do trem arrancou Aria do sono, fazendo sua cabeça colidir dolorosamente contra a estrutura metálica do banco em que estava sentada. Ela resmungou baixinho, passando a mão rapidamente pela boca. Haviam pequenas marcas de baba no canto dos lábios. Aria olhou em volta, aliviada ao perceber que os poucos passageiros restantes estavam totalmente absorvidos em seus celulares, ignorando-a por completo. O vagão estava mergulhado em uma penumbra frágil, com lustres de lâmpadas pendentes no teto que se balançavam com o movimento do trem. As lâmpadas, com sua luz trêmula e hesitante, pareciam lágrimas de vidro congeladas, piscando como se fossem se apagar a qualquer momento.

O trem deu outro solavanco, mais forte desta vez, um sinal claro de que a velocidade estava diminuindo. Estavam se aproximando de uma estação. Aria se endireitou no banco e agradeceu por ter acordado a tempo. Esta era a sua parada. Quando as portas de metal se abriram com um rangido prolongado e hesitante, ela saltou para a plataforma do distrito de Luzerrante.

A plataforma estava quase deserta, o ar noturno pesado com o silêncio de uma madrugada avançada. As lanternas flutuantes características de Luzerrante, penduradas nas grandes árvores que cercavam a estação, balançavam suavemente ao ritmo do vento frio, algumas delas apagadas, deixando partes da plataforma envoltas em sombras.

Aria encolheu os ombros diante da lufada de vento gelado que a envolveu assim que deixou o calor acolhedor do trem. Ela apressou o passo, atravessando a entrada da estação, que, ao contrário da anterior, era um simples arco de metal com colunas entrelaçadas com os troncos de dois grandes salgueiros. O metal e as plantas se fundiam de maneira tão intrincada que parecia um trabalho de magia antiga, impossível de entender ou recriar.

Ela passou pelo arco e começou a correr pelas ruas de terra batida, típicas daquele distrito, que ficava mais afastado do centro de Terras das Lâmpadas. Internamente, Aria amaldiçoava a si mesma por não ter aceitado o casaco de Maria. O frio noturno parecia penetrar até os ossos, e o tecido fino de sua camisa preta e o casaco jeans desgastado não ofereciam quase nenhuma proteção.

Logo, Aria chegou a uma casa de dois andares que parecia comprimida contra uma grande sumaúma. As árvores centenárias do distrito quase dominavam o espaço, forçando as construções humanas a se adaptarem. A casa parecia estar sendo lentamente absorvida pela árvore, as raízes e galhos se entrelaçando com as paredes de madeira de forma harmoniosa, como se a natureza tivesse decidido fazer parte da estrutura.

Subindo rapidamente as escadas de pedra irregulares que levavam até a entrada, Aria sentiu um alívio ao ver as luzes da casa acesas. Ela bateu na porta com urgência, os nós dos dedos estalando contra a madeira envelhecida.

— Pai! Cheguei! — chamou, sua voz ecoando no silêncio da noite.

Ela ouviu um praguejar seguido por um miado estridente e ameaçador. Sem dúvida, Raptor estava mais do que acordado e animado. A porta se abriu de repente, revelando Arthur, o pai de Aria. Seus cabelos, outrora tão negros quanto os dela, agora apresentavam fios grisalhos que pareciam se espalhar lentamente pela cabeça. Sua barba, por fazer, já estava quase completamente prateada, e seus óculos de lentes semilunares escorregavam preguiçosamente pelo nariz proeminente. Os olhos castanhos cansados de Arthur eram emoldurados por profundas olheiras, uma marca de suas longas noites sem descanso. Ele usava uma camisa desabotoada sobre uma camiseta surrada, calças de moletom e sandálias velhas.

Pendurado de maneira quase casual em seu ombro estava Raptor, um gato negro tão grande e imponente que parecia mais uma pantera em miniatura do que um felino doméstico. Seu pelo era tão escuro quanto a própria noite, absorvendo a luz ao seu redor como um manto de sombras. Aria sempre se perguntava se Raptor era de fato um gato comum, ou se havia algum segredo ancestral em sua linhagem, algo mais selvagem e perigoso.

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