Verdade

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Quando estava longe o suficiente, ela correu. Correu até seus pulmões não aguentarem mais, e quando parou, caiu no chão em lágrimas. Àquele horário, os corredores do castelo já estavam vazios, e ela poderia sentir-se segura para derrubar as lágrimas sem ser interrompida.

Apesar do clima ameno, Hermione sentiu o calor subir pelo seu corpo, o chão gelado em suas pernas amenizava a sensação, resfriando seu corpo. Ela encostou-se na parede, enquanto tentava se acalmar. Sentia uma mistura de raiva e desgosto, com lágrimas quentes e amargas escorrendo pelo rosto. Ela não sabia ao certo por que chorava. Não era por Ronald, seu namorado; tinha consciência disso. Era por Ronald, seu amigo desde o primeiro ano. E, mesmo negando para si mesma, por Draco Malfoy. Um conflito interno a atormentava — a luta entre seu orgulho ferido e os sentimentos confusos que ainda podia ter por Draco.

Lembrava-se de chegar a Hogwarts e admirar Draco constantemente, achando-o extremamente atraente, porém todo o encanto foi embora quando ele abriu a boca para falar com ela pela primeira vez. Por anos a havia atormentado, chamando-a de sangue ruim e outras milhares de coisas.

Ela odiava se lembrar daquele dia no terceiro ano quando entrou no banheiro do segundo andar. O banheiro da Murta-Que-Geme, onde o encontrara. Ele, por um único momento, havia sido gentil, e depois de beijá-la, pediu para que nunca contasse a ninguém sobre aquilo, saindo correndo em seguida. Era um covarde e sempre foi. Quando pôde enfim descontar sua raiva do garoto por fazer o que havia feito, sentiu-se extremamente bem e parou de pensar no maldito beijo. No seu maldito primeiro beijo, que, aliás, havia sido incrível. O soco que lhe dera havia servido para alguma coisa, mas agora, toda essa dor e confusão voltavam à tona, e ela se sentia completamente perdida.

— Que droga, Malfoy — praguejou, socando o chão ao seu lado, sentindo a dor no segundo seguinte subir pelo seu braço.

— Não desconte no chão, Granger — uma voz rouca soou no corredor onde estava, fazendo-a levantar a cabeça para vê-lo à sua frente e a distraindo da dor em sua mão. — Se está estressada comigo, bata em mim. Pelo menos não irá quebrar a mão.

Hermione sentiu uma onda de emoções conflitantes. Parte dela queria gritar com ele, mandá-lo embora. Outra parte, uma parte que ela odiava admitir existir, queria saber por que ele estava ali, por que parecia se importar.

— E desde quando se importa, Malfoy? — questionou irritada.

Não o queria ali. Não queria ninguém ali. Apenas queria ficar sozinha.

— Você tem razão... — Ele começou, hesitando antes de se sentar ao seu lado, seguido de perto pelos olhos da garota. — Nunca me importei, ou pelo menos achava que não.

Hermione notou o leve tremor em suas mãos quando ele se sentou, o que a fez questionar o que realmente estava acontecendo.

— Saia daqui, Malfoy.

— Pelo que sei, tenho tanto direito de ficar aqui quanto você, Granger.

Ela o encarou por um segundo, o coração acelerado, e bufou.

— Não vai sair? Tudo bem. Então eu saio.

Hermione se levantou, pronta para ir embora dali, mas foi impedida pelo garoto que segurou a mão que ela havia socado no chão. Sem se controlar, deixou um sonoro "Aí" escapar de sua boca, sentindo a novamente a dor quando foi puxada de volta ao chão.

Puxou sua mão do toque dele com brusquidão e, ainda sentada, afastou-se do sonserino ao seu lado.

— Me deixe ver sua mão, Granger — pediu o loiro, aproximando-se mais uma vez.

Ela desviou o olhar, tentando ignorar a proximidade dele, mas sentia o coração bater ainda mais forte. Se não poderia sair sem ser impedida e nem ele iria fazê-lo, ao menos o deixaria falando sozinho.

Ele suspirou após alguns segundos, desistindo de tentar ao perceber que ela não cederia e olhou a parede à sua frente.

— Também foi meu primeiro beijo — contou. — Eu nem sei por que fiz aquilo. Eu... Não sei... Você só estava lá... — Draco passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os. — No primeiro ano, eu ficava te olhando. Às vezes te pegava olhando pra mim. Quando descobri que era uma sangue-ruim, foi decepcionante — falou cada palavra calmamente, mas com um peso que Hermione não conseguia ignorar.

Hermione passou a encará-lo depois disso, mas ainda assim, Draco mantinha seu foco na parede à frente. Sua mente estava em caos, tentando decifrar o que tudo isso significava. Por que ele estava dizendo tudo isso agora, depois de todos esses anos?

— Depois de algum tempo, eu aceitei que aquilo era só uma paixão de criança, mas eu não conseguia parar de pensar naquele dia no banheiro, mesmo depois de anos. Era uma merda quando eu me pegava pensando em você em momentos inapropriados — ele riu, parecendo lembrar-se de algo que a deixou desconfortável.

Hermione sentiu um nó na garganta, lutando para manter a compostura.

— Cala a boca!

Dessa vez, Draco a encarou. Hermione sentiu a profundidade dos olhos cinza e quase podia ver a alma do garoto neles. Podia ver a verdade por trás de todas as palavras que dissera agora, e assim, Hermione tirou sua armadura, respirando profundamente.

— Eu também não conseguia parar de pensar naquilo — confessou, com a voz mais baixa do que pretendia.

Os olhos de Malfoy pararam por um momento em sua boca, e Hermione sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— Sinto muito pelo Weasley. Talvez você devesse saber de outra forma.

Ela riu, mas havia uma amargura no som.

— Quanto mais cedo, melhor.

Mais um momento se passou com eles se encarando. Draco estendeu sua mão para ela e mais uma vez pediu:

— Me deixe ver sua mão.

Hermione hesitou, mas então se rendeu e colocou a mão machucada sobre a dele, sentindo o toque de suas peles sem a dor arrepiá-la. O toque era firme, mas hesitante, como se ele estivesse com medo de machucá-la ainda mais.

— Dói? — perguntou ele, enquanto mexia delicadamente em seus dedos, tocando um por um levemente.

Ela fez que não, e dessa vez, não doía mesmo. Enquanto o olhava mexer em seus dedos, pareceu que, por um momento, tudo havia sumido. Não estava em Hogwarts. Não era uma bruxa. Não havia acabado de sair de uma guerra, e não havia sido traída por seu melhor amigo e namorado. Mas a realidade logo voltou, e Hermione sentiu o peso de tudo novamente.

— Preciso ir — sussurrou, ainda o encarando, e afastando sua mão da dele com delicadeza. Precisava quebrar aquela aproximação de algum jeito. Não aguentaria aquilo por muito mais tempo.

— É... Eu também — informou ele, com uma ligeira hesitação na voz.

Ela quebrou a troca de olhares e colocou-se a levantar, seguida por Draco.

— Até mais, Malfoy — despediu-se, dando as costas ao garoto, pronta para subir até a torre da Grifinória.

— Até mais, Granger — respondeu, virando-se para ir para o seu dormitório nas masmorras. — E, ah! — ele exclamou uma última vez, voltando-se para ela. Hermione também se virou e encarou o garoto, esperando pelas suas palavras. — Eu sinto muito, por tudo.

Ela sorriu, mas era um sorriso triste.

Ele sorriu, mas seus olhos mostravam um turbilhão de emoções que Hermione não conseguia entender. Havia uma hesitação a qual ela não compreendia.

Seguiram caminhos opostos, esperando que o outro voltasse. Mas ninguém voltou. Não houve nomes sendo gritados ao longe, nem correria e euforia para se aproximarem de novo. Apenas o que se podia ouvir eram os passos ecoando pelo corredor quando ela virou em um corredor, e ele, em outro.

Verdade ou Consequência? (Dramione)Onde histórias criam vida. Descubra agora