PHUWIN - cap.1

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Ser o filho mais novo de uma das organizações criminosas mais influentes do mundo tinha suas vantagens.

— Está escutando, Phuwin? — Às vezes, nem tanto.

— Eu escutei a vida toda, paizinho — não havia como não escutar as caduquices do seu já velho pai. — Inclusive, preciso passar na manicure, minha unha do dedo do gatilho lascou hoje pela manhã.

Não era sua culpa ser tão cínico; ele adorava ver as bochechas do pai injetadas de sangue e o velho perdendo a paciência.

— Como pode ser tão dissimulado, moleque? — Seu sorriso cresceu ao ver seu pai espumar pela boca, depois de tantas vezes ter que aturá-lo fazendo um inferno da sua vida e da do seu irmão.

— Eu quero aquela casinha pegando fogo, as cabeças daqueles moleques em frente à minha mesa e os pais deles em completo desespero.


O velho se alterou ainda mais, levantando-se e apoiando-se na grande mesa de vidro que os três compartilhavam. Em pé atrás dele, Jimmy e Mix mantinham a guarda como duas estátuas intocáveis, com os olhos fixos à frente. Mas Phuwin sabia que, se houvesse qualquer mínimo incidente, eles não deixariam rastros para trás.

Em frente à mesa do grande escritório estavam as escórias, morças ou urubus. Phuwin ainda não havia se decidido qual era a pior denominação para aqueles que só esperavam a morte do querido e velho pai para tentar matá-los e tomar seu lugar. E o velho idiota sabia disso, mas estava caduco demais para passar os negócios para os próprios filhos.

— Pai, se acalme, o que seus visitantes irão pensar dessa cena? — A voz controlada de Dunk era música para os ouvidos de todos. Às vezes ele se sentia mal por seu irmão, o mais cobrado e o sucessor de tudo o que eles mantinham. Ele era mordaz quando queria, mas o que reinava era sua paciência, autocontrole e a elegância que também estavam presentes no irmão mais novo.

Phuwin adorava essa imagem.

— Certo, me desculpem — o velho se sentou novamente na cadeira e passou a mão no bigode que já estava todo esbranquiçado devido ao tempo. — Como eu ia dizendo, preciso da cabeça daqueles dois moleques. Encontraram o primogênito dos Naravit dançando feito criança em uma calçada de Tóquio. Se eu estivesse lá, teria feito aquele sorriso sumir com um buraco de 45 bem na cara dele.

— Ok, ok. Afinal, o que o senhor quer que façamos? — Phuwin já estava entediado de toda aquela cena. Talvez se ele estivesse com o alvo na frente e uma arma apontada e engatilhada, seria mais divertido.

Era quase sempre assim. Se havia uma ameaça aberta entre os negócios obscuros da máfia, os filhinhos Natachai tinham que limpar com as próprias mãos para aqueles que tentavam burlar alguma regra:

1. Quem detém o poder faz de tudo para permanecer nele.2. Qualquer pequeno erro faz cabeças rolarem, independentemente de quem seja o dono.3. Roupas de grife também combinam com queima de arquivos.

Espera aí...

Enfim, o caso atual era claro: quem está no topo do poder sempre atrai inimigos. Os irmãos Natachai sabiam disso melhor do que ninguém. Desde crianças, foram moldados para enfrentar homens com o dobro de seu tamanho, sem hesitar em dar cabo de qualquer ameaça. Eles dominavam as finanças do submundo, distribuindo as regiões da cidade conforme o fluxo de drogas. O contrabando fazia parte de sua rotina — um carregamento aqui, outro ali, sempre em movimento. Tráfico de armas? Era apenas mais uma linha na longa lista de suas atividades.

Lidar com políticos corruptos e mantê-los sob controle se tornou uma segunda natureza para os irmãos. Mas talvez o mais peculiar de seus deveres fosse cuidar das novas gerações que ingressavam na máfia, ou seja, ser babás de crianças chegando no mundo do crime.

— COMO É? — Phuwin explodiu incrédulo . — Nem a pau que eu vou me arriscar para cuidar de um pirralho recém-chegado no submundo, Isso não faz nem sentido! Como entraremos naquela família? Eles nos conhecem, pai.

— Ele é só um ano mais novo que você — Dunk lançou um olhar de desdém para o irmão mais novo antes de se voltar para o pai. — Eu também não entendi, pai. É impossível para nós entrarmos lá.

— Claro que não — o velho estava completamente gagá. A ideia de acabar com a vida do pai de repente se formou na mente de Phuwin, mas logo se desfez. Patricídio era mal visto naquele meio, e ele não estava disposto a arriscar sua posição por isso. Mas... talvez envenenamento? Ou então o velho poderia sofrer um "acidente", como uma queda das escadas. — Obviamente, ele fará uma seleção de guardas para o novo filhote, assim como todos fazem. Vocês dois têm o Sea, os meus infelizmente já morreram. Em todo caso, vocês entrarão.

Dunk se ajeitou na cadeira, preparando-se para falar, quando a mão de seu pai se ergueu imperativamente. Ele fez um gesto para que as portas se abrissem, e o que entrou rastejando por elas era uma visão que faria a maioria das pessoas vomitar de nojo. O homem — ou o que restava dele — estava em um estado deplorável. Sua pele estava coberta de feridas, com partes do couro cabeludo visivelmente ausentes. A imagem era tão repulsiva que causava um desconforto quase físico em quem olhava, mas era um lembrete bem claro do que acontecia com aqueles que cruzavam o caminho da família Natachai.

Phuwin não pôde evitar um sorriso.

— Acho que está faltando alguma coisa nele, não acha, Dunk? — disse ele.

— Metade do couro cabeludo? — Dunk respondeu com uma diversão mórbida. — Ah, não, acho que tiraram uma boa parte dos joelhos na lixadeira!

O homem à frente deles, se é que ainda podiam chamá-lo assim, estava à beira da morte. Suas roupas estavam rasgadas e ensanguentadas, e os dedos das mãos virados de forma grotesca. Apesar disso, ele mantinha um olhar que trazia uma determinação feroz, uma confiança quase... inabalável. Phuwin observava com um misto de admiração e pena. Ele sempre respeitou homens com uma chama de determinação; mesmo quando tudo ao seu redor desmoronava, eles mantinham a cabeça erguida. O olhar do homem à sua frente, apesar de tudo, era de alguém que ainda acreditava em sua missão. Uma pena que sua vida e lealdade já pertenciam a outra pessoa.

— Fale.

— Lembre-se, se algo acontecer com o meu filho, você vai pagar. Eu volto da mansão dos mortos para pegar você.

— Ainda por cima é mexicano. Vamos, eu prometi que não vou mexer em nada que é seu. Dou minha palavra, e a palavra de um chefe não se desfaz.

— A seleção será nesta sexta-feira, no Monte Dragon Crest. Espero que você tenha bons soldados, porque ou você passa, ou você morre. — O desgraçado terminou a fala com um cuspe no chão.

Phuwin segurou o impulso de sorrir. Droga! Ele realmente ia amar tê-lo como guarda. Frases de efeito eram tão charmosas.

— Mix, termine o serviço e mande alguém limpar meu chão. — Nosso velhinho caquético se levantou e se dirigiu para uma porta lateral. Antes que Mix pudesse levar o trapo que estava em nossa frente, ele acrescentou, sem se virar: — E não se preocupe, Earth, não é? Eu tenho os melhores soldados.

Ele deu um risinho e acompanhou com o olhar enquanto o tal Earth era arrastado para fora do salão, sem nunca abaixar a cabeça.

O velho, indiferente, continuou como se o homem que acabara de descartar não fosse mais do que um detalhe insignificante em seu caminho.

— Continuando, eles não conhecem o rosto de vocês; esse é o poder do anonimato, meus queridos. Só o nome de vocês importa.

Ecos do nosso SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora