𝗣𝗮𝗿𝘁𝗲 𝟭

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𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟭

-Você ainda lembra como foi esse dia? - perguntou Al, apontado para um grupo de crianças do primeiro ano que fazia um tour pelo colégio.
Os olhinhos delas estavam arregalados, como se não quisessem perder nenhuma informação, e os sorrisos eram cheios de orgulho por darem um passo tão importante.
- Eu estava tão assustado... - recordei - Foi um trauma para mim. Num dia estava tudo bem e, no outro, me arrancaram do mundo normal pra conviver com vocês do Sul, a parte que sempre me ensinaram a Temer. Sem pais, sem família e com 6 anos. Achei que iriam me matar na primeira oportunidade.
- É horrível a imagem que o terceiro mundo tem da gente, né?
- Para o Norte, aqui só tem coisas ligadas às trevas, demônios e sei lá mais o que conseguiram inventar.
- Que bobagem! - ele riu - E sua família deixou você vir morar no "mundo do mal" tão fácil assim?
- Eles não tiveram opção, já que o contrato entre o Sul e o Norte me obriga a viver aqui. Se eu sou bizarro, tenho que viver no mundo dos bizarros, né?! - respondi, e Al riu comigo.
- Não entendo como isso pode ter acontecido, sabia? Não existem casos anteriores, já varri a literatura atrás disso e nada.
- Eu sou um caso para você? - coloco a mão na cintura, fingindo estar ofendido.
- Bem que eu queria - ele respondeu com uma expressão indecifrável, fiquei sem entender.
- Como assim?
- Não, é que... - pigarreou Al - Queria que existissem casos parecidos com o seu pra gente ter alguma pista. São nove anos sem entender o que aconteceu e, pelo visto, ficaremos a vida inteira com interrogações.
Encarei seu cabelo meio bagunçado cacheado e marrom, seus óculos no lugar certo - que ele fez questão de arrumar mesmo assim - e seu tom de pele parecido com chocolate ao leite, como a da sua mãe. Em seu rosto, uma expressão cansada que me fez imagina-lo gastando horas a ponto para encontrar respostas ou qualquer tipo de história que pudesse se aproximar da minha. E tudo porque queria me dar respostas do que aconteceu, encontrar as peças que faltavam sobre mim. Ele era incrível, o melhor amigo que eu poderia ter.
Aliás, eu era bem sortudo em relação ao meu ciclo de amizades. Meus amigos eram únicos - além da diretora e alguns professores - que sabiam sobre minha origem nortista e nunca me trataram com qualquer preconceito.
Deste os 6 anos, aprendi a me dividir entre os dois mundos e me vía como uma espécie de intruso em ambos. Durante a semana, era um cidadão do mundo normal que invadia o meio-mágico e, aos fins de semana, violava o contrato para ver meus pais e irmãos.
No fim das contas, eu era uma mutação da Natureza - o único conhecido até hoje - que havia nascido no Norte, mas pertencia ao Sul, e ninguém sabia explicar o motivo disso. Quando a diretora Sera foi até minha casa nos contar, fez-se um rebuliço geral. Minha mãe não quis acreditar, meu pai passou a andar cabisbaixo, e eu fui submetido a vários testes estranhos que não pareciam ter sentido algum. Quando a minha conexão com o inferno mágico foi confirmada, meus pais não quiseram permitir a minha mudança, mas foram convencidos pela minha avó, Luciane, e com o argumento de que, se a diretora Sera resolvesse avisar as autoridades, essa história se tornaria um caos, e eu seria obrigado, pelas regras do contrato, a ir e nunca mais voltar.
Então meus pais e a escola resolveram manter sigilo absoluto para que ninguém me denunciasse e, assim, eu pudesse ir e vir livremente, conseguindo visita-los aos fins de semana, férias e feriados. Eu era quase um criminoso que quebrava o contrato semanalmente, embora não tivesse escolha: era a única maneira de ver meus pais e meus irmãos.
- Tá ansioso? - perguntei, apontando para um cartaz na parede que anunciava a famosa Celebração do primeiro ano do Ensino Médio.
- Muito. E vo... - Al parou quando algo vibrou em seu bolso - Preciso ir!
Espiei, curioso, e pude ver que ele desarmava um alarme no celular.
- Pra onde? - perguntei intrigado
- Projeto avançado. Tenho que conferir de hora em hora e fazer anotações - ele respondeu, como quem precisa correr, apressado e titubeante, mais não quer soar rude cortando a conversa repentinamente.
- Al, nós acabamos de voltar das férias, não deu tempo de você se enfiar em projeto nenhum! - falei, fingindo indignação.
Ele sorriu sem resposta enquanto consertava os óculos mais uma vez
- Vai logo nerd - desisti.
- A gente se vê no almoço, tá? - ele prometeu, e eu concordei, ainda fingindo estar bravo.
- O Ensino Médio vai ser um pesadelo, você vai triplicar sua carga horária. - cruzei os braços.
Al riu sem levar meu drama a sério, e depois apertou minhas bochechas em um biquinho.
- Fala - pediu. Tínhamos várias bobagens, e essa talvez fosse a maior e mais antiga delas. Não me lembro de quando havia começado, mas Al adorava me ver falando "peixinho marrom" com as bochechas apertadas - Lúcifer Febrero, fala logo.
- Só se você não parar de comer pra checar alguma bizarrice sua na hora do almoço! - negociei.
- Então fala!
- Peixinho marrom. - me rendi, e ele beijou minha bochecha antes de sair correndo.
Continuei rindo da nossa bobice, mas fiquei sério quando olhei o anúncio novamente. A Celebração estava perto, e enfim nós receberiamos nossa magia. Estar conectado ao inferno-mágico, ou primeiro mundo, significava ter a personalidade parecida com a de algum personagem de um livro de histórias e, por isso, receberiamos seus dons especiais.
Para os habitantes do Sul, todos esses livros contavam verdades sobre um mundo mágico que, apesar de nunca terem conhecido, existia. Para os do Norte, tudo isso era uma grande besteira e nossas habilidades sobrenaturais eram malignas e perigosas.
Tirei meus olhos do folheto e passeei sem destino pelos corredores para conhecer melhor aquele lado. Eu sabia que estava no lugar de sempre: o colégio que tinha aprendido a tratar como lare que, ao contrário das pessoas do Norte, havia feito com que eu enxergasse os sulistas como seres especiais e passasse a perceber a conexão com o mundo mágico como uma honra.
Mas tudo ali era novo; entrar para o Ensino Médio nos faria trocar de prédio, cantina, dormitório e salas de aula. O colégio era enorme, havia uma área para os anos iniciais do Ensino Fundamental, uma para os anos finais e outra para o Médio, e, apesar de ser um ótimo mudar de ambiente, o maior significado do primeiro ano era enfim receber os dons tão esperados. Nossos poderes não amadureciam antes disso - o que, preciso confessar, me deixava estressado. Nas aulas de Magia, era como se fôssemos obrigados a aprender a pintar um quadro sem pegar no pincel, ou seja, só teoria. Irritante.
Por isso, cada ano mais próximo do Ensino Médio representava um grau a mais de ansiedade, já que tudo mudaria para melhor e os três anos seguintes seriam para aprender a lidar com os poderes; finalmente pintar com pincel!
Depois de três anos de intensa aprendizagem, na formatura, nós jurariamos um milhão de coisas sobre querer o bem e nunca usar magia para o mal e, depois, buscariamos alguma faculdade no Sul. Jamais sería permitido nos misturarmos com o povo do Norte. Isso me animava, pois teria certeza de estar sempre cercado de gente como eu, mas também me estristecia quando me lembrava de que a convivência com meus pais, meus irmãos e minha família seria sempre restrita.

[...]

Vaguei por algumas salas aleatórias e acabei na biblioteca do Ensino Médio. Era a maior que eu já tinha visto em toda minha vida. Sempre me perguntei como era possível existirem tantos personagens para tantos alunos, mas, naquele momento, minha dúvida caiu por terra. A empolgação era tanta que demorei alguns minutos para decidir o que fazer. Por qual prateleira deveria começar? Acabei tirando um livro qualquer da terceira estante e me deparei com a história de Guanzo Lóti, um homem que tinha o dom da coragem. Achei bobo e sem graça. Mentalizei mil vezes para que o meu fosse legal.
Folheei algumas páginas e vi outros personagens. Uma garota conseguia transformar em realidade qualquer desenho que fizesse: achei mais interessante, mas ainda me imaginava com algo maior. Percebi que estava querendo demais, eu deveria me contentar com qualquer dom que recebesse. Afinal, meu personagem teria relação comigo, fosse qual fosse.
- Tentando descobrir qual vai ser o seu? - um menino mais velho perguntou com uma voz doce. Ele era branco, tinha cabelos longos cacheados e seu rosto apresentava uma expressão tranquila.
- Eu jamais conseguiria. - apontei para todas aquelas estantes.
- É verdade, parece que são infinitos... Às vezes fico lembrando do quanto era perturbador pensar que meu personagem poderia estar aqui em algum lugar sem saber como encontra-lo.
- Como você aguentou?! - exagerei de brincadeira, mas, no fundo, estava aflito de verdade.
- A Celebração está próxima. - ele me reconfortou, e senti uma onda relaxante passar por mim, ao contrário do que estava acostumado a sentir quando alguém citava o evento. - Você vai ver que tudo mudará depois de ganhar sua magia. As aulas vão ficar mais legais e a escola vai parecer ter um novo ar.
O garoto falava com o olhar vago, se recordando de sua experiência passada enquanto eu sentia algo bom, como se ele estivesse arquitetando toda minha ansiedade de antes.
- Quem é seu personagem? - perguntei. Ele tirou um livro fino e branco da bolsa e me mostrou. Depois que recebemos o livro do nosso personagem, nunca mais nós desgrudavamos dele; aquilo se tornava um pedaço de nós. Ele continha a história da vida inteira do personagem e uma magia era jogada para que aparentasse ser mais fino e pudesse ser mais fácil de transportar. Mais, quando o menino começou a folhear as páginas para me mostrar, o volume do livro foi aumentando até tomar seu tamanho real.
- Ryan Cublin. Posso reconhecer e modificar o humor das pessoas. Antes de me aproximar de você, percebi que estava tenso e com uma cor muito forte ao seu redor, mas te fiz ficar calmo induzindo seu corpo a liberar alguns hormônios e a parar de produzir outros. - ele piscou - E agora vejo uma cor agradável ao seu redor.
Meu queixo caiu. Ele tinha usado seu dom em mim! E tinha sido tão bom! Eu estava leve mesmo.
- Eu sei, você tá chocado por ter sentido magia em seu corpo - ele falou brincando, enrolando um cacho no dedo.
- É capaz de ler mentes também? - brinquei
-Não - ele riu - mas a cor lilás me prova sua surpresa; e a amarela, sua animação.
O garoto apontou para algo que supostamente estava ao meu redor. Mesmo sabendo que não não encontraria nada, conferi no espelho do outro lado da biblioteca.
- Se você pudesse ver, esse não séria 𝑚𝑒𝑢 dom especial - ele falou.
- Justo - respondi à expressão falsamente brava que ele fez.
- Eita! - O menino mudou seus feição para assustado, depois de conferir o relógio. - Olha, Lúcifer, preciso ir, a gente se esbarra por aí. Prazer, sou Júlio.
- Tudo bem, obrigado por... Calma aí, como você descobriu o meu nome? - perguntei intrigado. Júlio disparou a rir, já a alguns passos distante de mim.
- A gente vive no Céu 𝑚𝑒𝑖𝑜-mágico, Lúcifer e, às vezes - ele ironizou, brincalhão - temos que usar os sentidos normais.
Quando ele apontou para o meu pescoço, me senti um besta ao me lembrar de um colar que tinha meu nome escrito.

𝘾𝙤𝙣𝙩𝙞𝙣𝙪𝙖~

𝙉𝙤𝙩𝙖𝙨:
Gente foi mal a demora do capítulo, o texto ficou gigantesco e os outros também vão ficar, hein?
Então, byeee patitos!!! 💞

1933 palavras/words com as notas!
Agora: 1940

𝐸𝑛𝑡𝑟𝑒 3 𝑚𝑢𝑛𝑑𝑜𝑠~ {𝑅𝑎𝑑𝑖𝑜𝐴𝑝𝑝𝑙𝑒} CanceladaOnde histórias criam vida. Descubra agora