Respirei fundo, sentindo o ar gélido entrar pelo meu nariz e sair em forma de fumaça pela minha boca. Esfreguei os braços, tentando me aquecer. “Que frio do caralho”, murmurei, dando pequenos pulos para afastar o frio. “Foi uma ideia de girico fugir para vir a essa balada com a Gisele.” Eu estava do lado de fora do prédio, servindo de vigia enquanto minha amiga se pegava com o namorado no banheiro externo da balada.
— Merda, eu só caio em furada — resmunguei para mim mesma.
Enquanto tentava me aquecer, o ar ao meu redor ficou mais denso, como se algo que não deveria estar ali tivesse chegado. Peguei o celular dentro da bolsa e olhei o relógio: 2:45. “Essa é a foda mais longa da história, já faz 15 minutos que esses idiotas estão lá.”
Escutei passos. O chão estava molhado, dificultando identificar de onde vinham, e a acústica do lugar só aumentava minha apreensão. Meus pelos se arrepiaram de imediato, e uma voz masculina se fez ouvir à frente.
— Oi — ele disse, meio perdido. — Desculpa, é a primeira vez que venho nessa balada... Ham... — Ele apertou os lábios pálidos e passou a mão nos cabelos escuros. — Estou meio perdido, desculpa incomodar. Você sabe onde posso pegar um táxi? Meu celular descarregou, não tenho como pedir um carro.
Olhei para ele de cima a baixo. Era um homem bonito, acima da média, com certeza. Cabelo preto liso, alto, olhos tão negros quanto a noite, e uma pele branca, mas não branca comum — era um branco cadavérico.
— Ah, tudo bem — apontei para o outro lado da rua. — No final dessa rua tem um ponto onde os taxistas ficam.
Ele sorriu, e eu me arrepiei de novo; um frio tomou conta do meu estômago.
— Obrigado, espero te ver de novo.
Ele disse e saiu andando. Meu coração disparou, e meus olhos se encheram de lágrimas. “Tem algo de errado nesse cara.” Respirei fundo, tentando afastar o pavor que me consumia. Foi então que senti uma mão pesada no meu ombro, e quase perdi o ar de susto.
— O que foi? — Gisele perguntou, me olhando estranho, ao lado do namorado.
Havia algo de errado neles, algo no olhar deles.
— Nada — sorri sem jeito, enquanto meu corpo ainda tremia um pouco.
— Bora — ela falou sorrindo, entrelaçando um braço no meu e o outro no namorado dela.
— Vocês disseram que ia ser só uma rapidinha — falei, tirando onda dela.
— Mas foi — ela riu, trocando olhares cúmplices com o namorado.
Caminhamos até o carro, e eles foram nos bancos da frente, enquanto eu fiquei sozinha no banco de trás. Fiquei observando a rua pela janela, quando vi aquele mesmo homem, agora encurvado sobre o taxista, enquanto as sombras escondiam parte da cena. Ele se virou em minha direção e sorriu. Na fração de segundo em que nossos olhares se cruzaram, eu vi... Eu vi a boca daquele homem completamente suja de sangue, seus dentes afiados refletindo a luz do poste. E, com um sorriso doce, ele acenou para mim. Foram segundos que pareceram horas.
— Vocês viram aquilo?? — falei, desesperada. — Aquele homem — falei com a voz trêmula.
— Que homem, mulher? — Gisele riu. — Acho que você bebeu demais.
Meu coração estava na boca e todo o meu corpo tremia. Aquele olhar, aquele sorriso estridente e gentil, com seus lábios sujos de sangue, nunca mais iriam sair da minha cabeça. Tampei a boca, tentando engolir o desespero. Meus olhos se encheram de lágrimas, e o aperto no peito parecia que nunca mais iria me abandonar. Gisele e o namorado ignoravam tudo, como se não sentissem o peso no ar. Comecei a duvidar da minha própria sanidade. “Será que tô ficando louca?”, pensei, me olhando no reflexo da janela do carro.
Durante o trajeto até a minha casa, fiquei presa na minha própria cabeça. Enquanto isso, Gisele e o namorado conversavam sobre coisas aleatórias, conversas das quais não lembro nada. Chegamos à minha casa, e ela parou nos fundos, como tínhamos combinado com meu irmão. Meu irmão sempre era meu cúmplice quando meus pais não me deixavam sair de casa. Mesmo nos auge dos meus 20 anos, eles ainda me viam como uma adolescente. Saí do carro e andei até ele, o abraçando.
— Ei — ele falou sorrindo e afagando minhas costas. — Tá tudo bem? — Ele perguntou, estranhando minha ação.
— Tá — respondi, soltando-o.
Apesar da diferença de quase 10 anos entre nós, sempre fomos muito próximos. Ele sempre foi meu porto seguro, e depois que voltou à cidade após o divórcio, isso só se fortaleceu. Entramos em casa, e ele me perguntou se eu queria comer algo, mas aquele bolo de angústia ainda estava no meu estômago. Neguei e subi para o meu quarto.
Eu sentia o cheiro de sangue e morte no meu corpo, então tirei toda a minha roupa e as coloquei no cesto de roupa suja, enquanto a água do chuveiro esquentava. Me coloquei debaixo dele, sentindo um pouco de conforto trazido pela água morna que escorria sobre a minha pele. Fiquei ali talvez mais tempo que o normal. Respirei fundo enquanto secava meu rosto com a toalha, me enrolei e andei até o espelho do banheiro. “Não... Não... Não pode ser”, vi o reflexo daquele homem no espelho. Respirei fundo, peguei uma tesourinha que sempre deixava em cima da pia e virei, já esperando ele estar ali, mas não havia nada.
Minhas pernas falharam, e em poucos segundos eu estava no chão. Minha respiração estava rápida e descompassada. “Estou realmente enlouquecendo”, reuni forças de onde não tinha e me levantei. Me vesti com o pijama que tinha em cima da minha cama. Me deitei, tentando afastar as imagens e os pensamentos causados por essa noite. Abri os olhos e já era de manhã. Segui minha rotina de todos os dias, fingindo que tudo estava normal até isso se tornar verdade, uma tarefa que demorou meses. Eu ainda o via nos reflexos, nas sombras da noite, nos cantos escuros da casa, até isso não acontecer mais com tanta frequência, mas sempre havia uma voz na minha cabeça que dizia que ele estava ali e que eu seria a próxima.
☆ 8 meses depois ☆
Notas da autora:
Olha eu aqui de novo com mais um imagine, dessa vez a pegada vai ser mais sombria. Eu sei que demoro muito a postar, mas estou aqui sempre olhando tudo. Vou tentar postar a segunda parte já na próxima semana.
Beijos da sua fanfiqueira falida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Noite Eterna
FanfictionSegredos... Segredos... Todos nós temos, não é? Algumas pessoas têm segredos simplesmente bobos, como ter furtado um doce de uma loja. Outras, porém, guardam segredos sombrios: a morte de alguém, ter manipulado uma situação... Enfim, eu queria dizer...