Dor dourada

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Enquanto os ecos da conversa no salão do trono ainda ressoavam pelos corredores do castelo, uma melancolia pesada pairava sobre outra parte da fortaleza. Isolada em seu quarto, a princesa Mirella, a caçula da Casa Eldareth, permanecia sentada junto à janela, os olhos fixos nos dragões que voavam livremente pelos céus de Vermoria. Sua figura, pequena e frágil, contrastava com a aura vibrante de seus irmãos mais velhos. Os longos cabelos dourados, que uma vez refletiam a luz do sol como o brilho de uma chama, agora pendiam de forma apagada, sem vida.

Mirella raramente deixava o refúgio de seu quarto, exceto para ir ao quintal e observar os dragões que ainda viviam e reinavam nos céus. A visão dessas majestosas criaturas trazia à tona lembranças dolorosas, especialmente do seu próprio dragão, Zephyr que tinha sido sua companhia e confidente desde que ambos eram apenas filhotes.

Zephyr fora uma criatura leve como o vento, de escamas douradas que brilhavam sob a luz do sol. Ele era curioso e brincalhão, tão cheio de vida quanto a jovem princesa que o montava. Desde que nasceram, eles foram inseparáveis, compartilhando um laço único que poucos em Eldoria entendiam plenamente. Porém, o destino cruelmente interveio em sua felicidade. Uma doença misteriosa, desconhecida até mesmo pelos curandeiros mais experientes do reino, atingiu o pequeno dragão. Zephyr, uma criatura que parecia feita de luz e ar, começou a definhar, suas escamas perderam o brilho e seus olhos vibrantes tornaram-se opacos.

Mirella lutou ao lado dele, recusando-se a deixá-lo sozinho, mas nada que fizessem pôde salvá-lo. Ela sentiu sua alma se partir no momento em que Zephyr deu seu último suspiro, sua chama interior apagando-se para sempre. Desde então, a jovem princesa sentiu-se vazia, como se a vida também tivesse deixado seu próprio coração. O sorriso que outrora iluminava seu rosto havia desaparecido, substituído por uma frieza que assustava até mesmo os que a amavam.

Em meio à sua solidão, um som suave irrompeu a quietude do quarto. Mirella levantou os olhos ao ouvir a porta ranger, e seu coração, por um breve momento, acelerou de expectativa. Era o seu irmão, Kaelith, que acabara de retornar de uma longa e perigosa viagem além do Mar de Lúmen. Ele sempre fora mais que um irmão para ela; Kaelith era como um pai, protetor e afetuoso, aquele que entendia seu silêncio e a dor que ela tentava esconder.

Kaelith entrou no quarto, seus passos leves e silenciosos. Seu cabelo negro e pele pálida, realçados pela luz fraca que entrava pela janela, conferiam-lhe um ar sombrio, mas seus olhos, escuros como a noite, brilhavam com uma suavidade rara. Ele se aproximou de Mirella e, ao vê-la, um sorriso triste curvou seus lábios. "Mirella," ele murmurou, sentando-se ao lado dela.

Mirella virou-se para ele, e por um instante, os olhos dela brilharam com algo que não era dor, mas uma reluzente e breve faísca de alegria. "Kaelith... estás de volta," sua voz era baixa, quase um sussurro, mas carregava uma emoção que ela tentava disfarçar.

Kaelith a observou atentamente, captando a frieza em seus olhos que contrastava com o calor da saudade. "Sim, irmãzinha. Voltei, e são os seus olhos que eu mais queria ver ao retornar." Ele estendeu a mão, tocando suavemente o rosto dela, sentindo o frio de sua pele, uma metáfora perfeita para o estado de seu coração.

"Eu senti sua falta," ela admitiu, recostando-se na mão dele. "Mas... nada mais parece o mesmo, Kaelith. Sem Zephyr... eu sinto que perdi uma parte de mim."

Kaelith respirou fundo, as palavras de sua irmã perfurando seu coração como lâminas afiadas. Ele sabia que nada poderia trazer Zephyr de volta, mas também sabia que não podia permitir que Mirella se perdesse na dor. "O que aconteceu com Zephyr foi injusto, cruel. Mas, Mirella, você ainda está aqui. Você ainda é parte desta família, e nós precisamos de você."

Mirella desviou o olhar, observando novamente os dragões ao longe. "Eu sei... mas às vezes, o peso é demais. Eles voam livremente, enquanto eu me sinto presa aqui, sozinha."

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