A quebra do Silêncio

1 0 0
                                    

Por conta do frio, não havia sons de pássaros, apenas o vento e o tilintar da louça. Aquele silêncio fazia com que os funcionários trocassem olhares entre si.

— Padre Izack. — O jovem não respondeu, apenas a observou enquanto ainda bebia o chá. — É minha primeira vez sendo anfitriã quando o assunto é uma bênção. — Amélia notava o moreno deixar todos os doces de lado, comendo apenas o presunto. — Mas há algo que precise para os preparativos ou qualquer coisa parecida? — Amélia serviu mais um pedaço de presunto ao notar o prato vazio.

— Na verdade... — Izack limpou a garganta enquanto observava Amélia encher seu prato. Ele se perguntou se estava magro demais ou se havia dado a entender que passava fome, mas logo focou na pergunta da mulher à sua frente. — Bem, só preciso de uma acomodação. Normalmente, as barreiras são feitas fora da capital, mas como a mansão é um tanto distante, também podem ser feitas aqui. — O jovem não soube ao certo, mas quando encarou os incomuns olhos de Amélia, sentiu uma sensação estranha. Talvez fosse pelo fato de que eles pareciam mais sem vida do que na última vez em que a viu.

— Entendo. — Amélia se encostou na cadeira e virou o rosto para olhar o jardim, que parecia tão sem vida quanto ela se sentia. Apesar de sorrir, ela era apenas uma casca vazia, ainda bem-humorada, mas ferida.

— Se me permite... — A voz de Izack a fez olhar novamente para o jovem. — Soube que o Ducado é bem grande, mas pediram para proteger a mansão, não o Ducado. — O moreno cruzou os braços, tentando achar a melhor forma de expressar o que estava pensando.

— Egoísta? — Amélia soltou exatamente as palavras que o jovem padre estava hesitando dizer, mas que faltava coragem para pronunciar. — Bom, talvez você não tenha ouvido, mas o Ducado fica na fronteira onde ocorreram a maioria das guerras. — Amélia passou os dedos pela borda da xícara vazia.

— Bom, eu ouvi, mas... — Izack olhou ao redor pela primeira vez e notou os olhares frios dirigidos à duquesa. O descontentamento era tão evidente que quase podia ser sentido, e isso fez Izack desistir de continuar falando.

— Nos deixem. — Amélia fez um gesto com a mão, dispensando os empregados ao notar o desconforto de Izack. — Padre, aquelas terras não passam de ruínas. Não há nada lá, apenas destruição. — Amélia observava cada reação de Izack, que parecia tão genuíno; ele era como um inimigo, às vezes inocente, outras sagaz.

— Bom, eu não imaginava isso. — Izack passou a mão pelo pescoço, soltando um sorriso sem graça.

— John é um duque apenas no nome. — Foi impossível para Izack não ficar surpreso com as palavras que saíram sem peso dos lábios de Amélia, que falava sobre o próprio marido. Foi só então que Izack começou a ligar os pontos.

— Vossa Excelência, posso fazer uma pergunta? — Amélia sorriu ao ver o jovem parecer tímido pela primeira vez, já que normalmente era ela quem ponderava em sua presença.

— Bom, faça. — Amélia sentiu uma pontada de curiosidade sobre o que o jovem estava ponderando tanto.

— Por que os empregados parecem tão descontentes em relação à duquesa? — As palavras de Izack foram tão bem direcionadas que Amélia quase respondeu imediatamente, mas se lembrou de quem ele era e, por isso, não respondeu.

— Bom, isso é algo que eu só diria a um amigo. — A mulher escapou da pergunta. Ele poderia ser gentil e até mesmo galante, mas ainda era um padre, alguém diretamente ligado à Igreja, e isso não era bom.

— Bom... — Um sorriso satisfeito surgiu nos lábios de Izack enquanto ele passava a mão sobre a boca. — Não vejo outra escolha senão ser seu amigo, duquesa.

A gargalhada que Amélia soltou foi uma surpresa para o rapaz; foi tão genuína que ele não conseguiu evitar sorrir junto.

— Padre, não acho que seja algo tão fácil. — Amélia falou assim que parou de rir. — Primeiro, temos que nos conhecer. — Amélia levantou o dedo indicador para Izack. — Segundo, — ela mostrou o segundo dedo, — temos que compartilhar segredos. Terceiro, — levantou mais um dedo, — temos que confiar um no outro, e isso é quase impossível, sendo você um padre. — Amélia abaixou a mão, deixando Izack sem palavras. — Eu sei que o Papa sabe até o que os nobres confessam. — Amélia cruzou os braços. — Isso não seria como uma confissão?

— É claro que não seria! — O tom de Izack saiu tão sério quanto seu olhar. — Posso até ser um padre, mas eu não sirvo ao Papa. — Izack olhou para a xícara, pensando em uma maneira de se aproximar da duquesa. — Já que é assim, vou contar algo que poucos sabem. — O jovem umedeceu os lábios e procurou as lembranças no fundo da xícara. — Eu sou de um lugar bem distante daqui, mais especificamente do deserto, onde todos morreram por conta de um ataque inimigo. — Amélia voltou a observá-lo, notando a seriedade em suas palavras. — Meu mestre apareceu e me ajudou a encontrar um lugar onde pudesse comer e dormir, me deu um propósito quando tudo estava perdido. — Desta vez, Izack procurou os olhos de Amélia, que agora pareciam carregar uma certa afeição. — Então, não diga que eu sigo o Papa, porque isso é uma calúnia; eu sigo meu mestre. — O tom de voz e até mesmo a expressão de Izack eram diferentes do comum, fazendo Amélia sentir uma ponta de culpa e desconforto. Ela suspirou, ponderando as consequências da decisão que estava prestes a tomar, mas jogou tudo para o alto.

— Então, Izack... — Ele sorriu ao ouvir seu nome sair dos lábios dela. — Eles me olham assim porque não há nenhuma criança correndo neste jardim ou pela mansão. — O sorriso de Izack desapareceu ao notar o amargor na voz de Amélia. — Eles me culpam pelo medo de não haver um herdeiro se o duque morrer na expedição de demônios.

Enquanto Amélia explicava o motivo de todo aquele tratamento, se perguntava qual era o propósito de tudo aquilo. Nas ruas, diziam que o casamento do duque fora por amor, que eles eram grandes amantes antes da guerra, e que o duque fez de tudo para pedir a mão da única princesa do reino. Então, como ele poderia permitir que ela fosse tratada daquela forma?

PERDÃO. Eu pequei!Onde histórias criam vida. Descubra agora