4. conversa

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Matheus Fernandes


Enquanto a brisa inundava meu rosto, eu pensava em todas as formas que eu poderia morrer nos próximos minutos ou horas. Como seria meu fim? Ele me torturaria ou deixaria eu morrer num piscar de olhos? Vários e vários cenários.

Será que ele deixa eu fazer um telefonema? Assim, eu preciso dar um parecer para meus pais realizarem um velório digno, né?
Como será que é feito o transporte do corpo?

Eu pareço estar tranquilo agora, aceitando meu fim, mas só Deus sabe como está minha mente, porque olha... a cada beco que a moto entrava eu ficava mais apavorado.

E só parou quando chegou quase no pé do morro, em frente a uma casa até que grande em comparação com as outras.

O meu sequestrador e futuro assassino desceu da moto, virando para mim e puxando meu braço para eu descer também.

- Bora, neguinho. Vamo bolar um papo. - me empurrou para andar em sua frente. Espero que aquele local esteja cheio de câmeras para filmar essa palhaçada. Parece cena de filme, só faltou um saco na minha cabeça.

À medida que eu andava para dentro daquela casa, eu ia vendo algumas pessoas ali, a maioria homem, com suas armas e caras de quem comeu e não gostou. Tinha algumas mulheres também, que olhavam para mim com deboche. Não existe compaixão aqui? Eu vou morrer!

- Deixa eu desenrolar com ele sozinho, terminem o serviço lá. - meu sequestrador diz para os amigos, que não gostaram muito, mas foram. Aposto que queriam ver minha morte de perto.
Idiotas!

Assim que eles saíram de perto, o cara a minha frente olhou para mim, novamente me medindo de cima a baixo. Analisando cada detalhe meu, e no fim voltando para o meu rosto com um sorriso sarcástico. Abusado ao extremo.

- Algum problema? Tô cagado? - perguntei por impulso.

- Se tu continuar falando comigo nesse tom, vai encontrar vários. - ameaçou apontando o dedo na minha cara. Engoli o seco, assentindo a contra gosto.

- Ok, desculpa. - disse por fim - Mas olha só, se você for me matar, pode ser rápido? Eu não curto tortura, sabe? - voltei a falar, o vendo me olhar como se eu fosse a pessoa mais entediante do mundo - E se for atirar em mim, atira num ponto que me faça morrer sem dor, tá bom? Só te peço isso.

- Tu é chato pra porra hein, menor. - quase me ofendi. Me chama de menor, mas deve ser uns aninhos mais velho que eu - Pode ficar sussa que seu destino depende do que você me piar.

- Ok, tô bem mais tranquilo. - revirei os olhos cruzando os braços.

- Seguinte, vou te dar mais uma chance de explicar que porra veio fazer aqui, certo? E eu quero bem explicado, porque se eu souber que tá mentindo, tortura vai ser pouco pra sua pessoa. - engoli o seco, tentando manter a calma. Droga, eu já expliquei tudo, o que ele quer mais?

- Mas eu já te disse tudo, vim fazer uma pesquisa de faculdade. Se não acredita em mim, pergunte para as pessoas com quem falei! - ele me analisou tentando encontrar traços de mentira, depois olhou para a prancheta abrindo e lendo o conteúdo. Será que acredita agora?

- Tô ligado que tu não tá na mentira, mas isso não te dá permissão pra acessar a favela e fazer seu corre como bem entender, neguinho. Aqui tem disciplina, e quem entra precisa ter isso em mente. - disse colocando o dedo indicador do lado da minha cabeça empurrando de leve. - suspirei aliviado por ele ter acreditado em mim, pelo menos.

- Certo, desculpa... - abaixei a guarda.

- Vou piar pros manos zarpar você daqui, e não quero mais ver sua cara nesses becos, tá me ouvindo? - assenti, mas lembrei que ainda não finalizei minha pesquisa. Ele me disse que ia me ajudar, né?

- Não é querendo abusar, mas eu ainda não finalizei minha pesquisa, sabe? Queria saber se-

- Problema seu, vacilão! - praticamente gritou me fazendo arregalar os olhos - Tá querendo amanhecer com formiga na boca?

- Não! Eu já tô indo, obrigada pela recepção. - peguei com cuidado minha prancheta da mão dele, que me olhou feio pela ousadia. Que cara insuportável, eu hein.

Ouvi ele chamar um cara pelo radinho, que em dois passos já estava ali. Mandou ele me levar pra entrada do morro e garantir que eu não voltasse.

Antes de atravessar a porta, o insuportável me chama e diz algo que me fez ficar encabulado.

- Ae neguinho, mó tiração dessa tua faculdade aí, quem pergunta pra morador de favela se é pobre memo? - riu sarcástico e eu quase sorri concordando com ele, mas apenas dei de ombros.

Antes de sair pela porta, olhei mais uma vez para ele que ainda me olhava, com atenção.

Dei um sorriso mínimo e atravessei a porta.

Calma aí, o que é isso? Tô tendo simpatia por ele? Síndrome de Estocolmo?

Preciso me auto tratar.

(...)

- Cara, o que aconteceu?! - Felipe me alcançou assim que saí do morro. Já tinha pedido o Uber, era bem de noite, as ruas estavam quase vazias por ser uma terça feira.

- Seu idiota, por quê não me disse que fazer isso me levaria a ter uma arma apontada para minha cabeça e um sequestro?! - perguntei quase voando em seu pescoço.

- Tá de zoeira, sério memo? - se espantou - Quem te brecou? - perguntou preocupado.

- Uns homens com caras de loucos, só sei que um se chama Jhow e o outro esqueci.

- Caralho, devem ter piado ele que tu tava na área - passou a mão nos cabelos. Afinal, quem era esse Jhow?

- E quem seria esse? Os idiotas que estavam com ele faziam tudo o que ele mandava, deve ser importante.

- Ele é só o braço direito do dono do morro. - arregalei os olhos, surpreso. Merda, e minha boca tava quase mandando ele ir tomar naquele lugar e os caralhos. Mais um pouco, com certeza eu não tava aqui pra contar história. Que livramento.

- Meu Deus, e eu tava quase assinando minha sentença de morte. - Felipe ri negando com a cabeça.

- Com essa sua boquinha, me surpreende ainda tá vivo. - revirei os olhos - E sua pesquisa, conseguiu finalizar pelo menos? - suspirei frustrado.

- Não... faltava duas entrevistas. - vou levar uma bela nota baixa por isso, que saco.

- Eu até te ajudaria agora, mas acho que seu Uber chegou. - apontou com a cabeça para o carro preto estacionado perto de onde estávamos. Assenti, já caminhando para ele.

- Obrigado pela ajuda, Felipe. Apesar de quase me entregar para a morte.

- A seu dispor cara, espero não te ver nunca mais por aqui. - nós dois rimos.

Entrei no carro e segui para minha casa, meu conforto e meu rivotril.

Hoje foi um dia e tanto, já posso colocar na lista de histórias que contarei aos meus filhos, que contarão aos meus netos e bisnetos.
Apesar de tudo, até que foi uma experiência de vida. Claro que não acordei e pensei "hm, vou ver como é ser ameaçado com uma arma", digo no sentido de abrir mais minha mente para algumas coisas, eu já tinha uma ideia de como funcionava um morro, onde tem um dono, seus aliados, regras... mas vivenciar isso é totalmente diferente, uma experiência única mesmo.

Estudar psicologia é conhecer pessoas, lugares, situações, e confesso que tô com uma pulga atrás da orelha, e muito curioso pra saber mais sobre esse mundo que acabei de conhecer.

Seria muito radical querer voltar naquele lugar?

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Demorei, mas voltei. Tinha desanimado um pouco, mas me deu um pico de criatividade hahah.

Queria pontuar que o relacionamento do Jonathan e Matheus vai ser desenvolvido aos poucos, quase um "slow burn" :)

Talvez não demore para seguir com os próximos capítulos.

Até a próxima ♡

Razão vs EmoçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora