Campus Hêmítheos: A enfermaria da morte

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Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.

Fernando Pessoa 

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Escuto passos firmes ecoando na enfermaria, o som alto denunciava que, provavelmente, mais um filho de Ares entrou para buscar atendimento. Poucos dos filhos desse chalé têm o mínimo de educação; com Atlas como líder, é quase impossível que aprendam modos adequados.

— Tem alguém aí? — uma voz rude interrompeu o silêncio. Saí de trás da cortina e o encarei com um olhar profissional.

— Estou aqui. Do que precisa? — perguntei, enquanto higienizava as mãos e colocava as luvas.

— Não sei se percebeu, mas as pessoas vêm à enfermaria para ser atendidas — ele respondeu com um tom grosso.

— Não, garoto. Vocês vêm aqui para desafiar a morte — retruquei sarcasticamente. 

— Agora para de ser idiota e diz o que aconteceu.

Ele revirou os olhos e cruzou os braços, relutante.

— Sente-se logo — apontei para a maca no centro da sala.

Com um suspiro, ele se sentou e começou a tirar a camisa, revelando cortes profundos.

— Acho que vou precisar de uns pontos — murmurou.

Sem responder, comecei a limpar os ferimentos.  Aparentemente, eram cortes de espadas.

— Quem fez esses cortes? Estão terríveis! — observei, examinando um hematoma próximo às costelas dele.

 — Melhor que o diretor não saiba dessa briga, ou todo o acampamento vai pagar.

— Perdi uma luta contra Atlas, se é que me entende — soltou uma risada seca. — Já estou acostumado. O diretor gosta do Atlas; ele nunca será punido.

— Lamento a dor que você vai sentir em breve — avisei enquanto terminava a limpeza. — Não temos anestesia pra esse tipo de ferimento. Aguenta?

— Eu aguento — respondeu firme. — Só não entendo por que você trabalha aqui sozinho. 

Ele era alto, moreno, com um físico impressionante. Havia algo nele que me inquietava, talvez o fato de já tê-lo visto acabar com a moral de outros semideuses no campo de batalha. Ele não matava literalmente, mas seus oponentes nunca saíam os mesmos — fosse por medo ou sequelas. Esse sorriso presunçoso era constante, irradiando uma aura de superioridade. Ele era Jung Lysander, segundo mais velho entre os filhos de Ares. Destinado a grandes feitos, mas cujas preces nunca chegavam ao pai.

— Sou filho de Apolo — respondi secamente. — Vou começar a sutura.

— Certo — ele murmurou, fechando os olhos.A sutura foi fácil, mas a costela dele... estava definitivamente quebrada.

— Me diz uma coisa, teria problema em sair daqui e ir a um hospital humano? — perguntei, esperançoso.

— Impossível! — começou ele, mas parou de repente. — Eu morreria nas mãos de... — interrompeu a frase.

— De quem? — perguntei, curioso.

— Ninguém — respondeu alto, desviando. — A costela tá muito ruim?

— Quer a verdade?

— Sim.

— Tá péssima. Em algumas horas, você não vai conseguir se mover. 

Ele gritou, irritado:— Pra que serve essa droga de enfermaria, então? Faz alguma coisa! 

Não sabia se era uma ordem ou um pedido, então ofereci uma opção.— Posso te ajudar, mas você vai me dever dois favores — falei, tirando as luvas e encarando-o.

— Eu aceito! — respondeu, sem hesitar.

— Deite na maca — instrui, aproximando-me — e tente não gritar.

— Por quê? — ele fechou os olhos, sem saber o que esperar.

Coloquei as mãos sobre sua costela machucada e fechei meus olhos. Quando os abri novamente, eles estavam brancos. O ar na enfermaria mudou; um vento forte derrubou equipamentos ao nosso redor, e os gritos dele preencheram o espaço.

— AAAAAAAAH! PARA! POR FAVOR, PARA! DAMIANOS, PARA! — ele implorava.

— Desculpe, eu não posso — respondi, mantendo as mãos em sua costela. 

Assim que os ferimentos sumiram, retirei minhas mãos. Minha visão escureceu, e, ao fundo, ouvi vozes. 

— Damianos, o que você fez? — reconheci a voz de Silena, minha irmã mais velha. Ela estava sentada ao lado da maca. O ambiente estava finalmente silencioso, mas minha cabeça ainda latejava.

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⏰ Última atualização: Nov 11 ⏰

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