CAPÍTULO 1: BEM-VINDA AO INFERNO❤️‍🔥

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O que eu fiz de errado pro senhor Deus, o que? Porque os tirou de mim? Meus amados pais, meus protetores, meus guias, minha família... Meu tudo. “O que vai ser de mim agora?”, essa era a frase que eu tanto me perguntava, pois eu não via mais graça em nada. A fazenda no campo onde vivíamos perdeu a cor, tudo ficou cinza e sombrio quando eles partiram e não voltaram mais pra mim. Os animais perderam a alegria, o rio perdeu a força vital, as plantas perderam o seu vigor, as flores perderam o aroma, as aves perderam o canto feliz, o sol nascente perdeu o brilho e eu não fui mais a mesma.
Quando acabou o enterro dos meus pais, eu fui a última a sair do funeral. Eu não tinha forças para sair dali e deixá-los, pois assim que eu saísse dali eu não os veria mais, poderia senti-los comigo, mas jamais seria igual. Eles foram sepultados no campo perto da fazenda onde vivíamos, quando o relógio marcava meia noite, eu entrava na sala completamente desconsolada. Eu via os móveis, as fotos, cada cômodo... Nada tinha mais a mesma beleza que tinha antes da tragédia, eu olhava pra tudo e pensava no fato que mamãe jamais voltaria para limpar a casa e os objetos como amava fazer, eu não iria mais comer a comidinha fresquinha que ela fazia para nós, não teria mais ela me acordando de manhã com um belo sorriso matinal para me dar forças durante o dia, não veria mais meu pai lendo os jornais e nem colocando o rádio para narrar as notícias do interior, não veria mais ele sentado na área tocando seu violão nas noites de luar... E não teria mais o abraço dos dois ao mesmo tempo, o abraço que tanto me deixava feliz e renovava meu ânimo quando eu estava triste ou irritada.
A dor me consumiu a noite toda depois do velório. Eu não estava sozinha em casa, minha tia Floriana foi a única dos parentes que não foi embora depois do enterro, certamente porque foi a ela que foi designada minha guarda e proteção ao patrimônio que me correspondia, minha amada fazenda. Em particular eu não gostava muito da minha tia, ela sempre era fechada e mal humorada, mas eu pude ver o quanto doeu nela ver o irmão ser enterrado naquela tarde nublada de outubro. Meu pai tinha um grande apreço por ela, já que era sua querida irmã mais nova.
De manhã, acordei e com muito custo me arrumei pro café. Desci e me sentei a mesa como se tudo fosse um pesadelo e em algum momento algo arrancaria um sorriso meu outra vez. Minha tia estava sentada na cadeira a minha frente e a vi observando o lugar que correspondia ao meu pai;

--Entendo como está se sentindo mais vai passar. –Disse ela com uma voz meio triste e reconfortante.
--Nada pode curar esse buraco no meu peito, o que vai fazer comigo agora que tem minha guarda?
--Vou cuidar de você, afinal é minha sobrinha, é o mínimo que devo ao meu irmão.
--Vai vim viver aqui na fazenda comigo?
--Não, você é quem vai se mudar.
--Como? Não mesmo, eu não vou sair daqui.
--Isso não é decisão sua, e vai ser bom pra você.
--Bom pra mim? Ou na verdade você só quer se livrar de mim?
--Não fale assim comigo menina, sou sua tia e você me deve respeito. Se estou fazendo isso é justamente pro seu bem e evitar que você sofra.
--Evitar que eu sofra me mandando pra longe?
--Pra longe de tudo que te faz lembrar o que aconteceu por agora, vai ser bom para você assimilar tudo isso com mais clareza e determinação Valéria.
--Pra onde quer me mandar? –Disse já começando a ficar com voz de choro.
--Pro colégio San Patrício na Espanha.
--Isso é na Península Ibérica Tia Floriana.
--Sim, exatamente.
--Porque pra tão longe? Não quero perder tudo o que meus pais se esforçaram tanto para ter e deixar pra mim.
--Não vai perder nada, você vai pra lá justamente para aprender a administrar e a se tornar uma pessoa muito inteligente e eficaz. Só pessoas de alto nível estudam lá Valéria.
--E como é que eu vou pagar um colégio desses?
--Eu vou pagar sua mensalidade, não se preocupe.
--Pra uma advogada é fácil.
--Exatamente, uma advogada formada justamente lá, no colégio San Patrício.
--Estudou lá na adolescência?
--Sim, eu e o seu pai. Ele podia ter ingressado em uma bela profissão, isso se não tivesse aderido tanto amor pelo campo.
--Meu pai foi muito feliz aqui.
--Não tenho dúvidas disso, mas você terá um futuro promissor, e não se preocupe com essa fazenda, tudo aqui vai continuar aqui e muito bem cuidado para quando você se formar e alcançar a maior idade, poder assim administrar por si só suas terras deixadas por seus pais.

--Então não vai vender a fazenda?
--Porque eu faria isso, ela é sua e não tenho direito nenhum de fazer isso.
--Sendo assim. Quanto tempo tenho que ficar lá?
--Até se formar, é um colégio interno Valéria então as regras são bem rígidas e tem que se comportar muito bem.
--Entendi, vou fazer o possível.
--Não finja ânimo se não tiver, mas tente se distrair ou pensar em outras coisas, vai fazer com que se sinta melhor acredite.
--Que seja então.

Depois do café subi pro meu quarto e comecei a preparar minhas malas. Coloquei todas as minhas saias, dezessete blusas e 8 calças. Meus 2 pares de tênis de sair e minha amada botina, não costuma usar muita maquiagem, só tinha uma paleta de sombra que ganhei de mamãe quando fiz 15 anos, acompanhada de um batom vermelho claro e um brilho labial. Minha escova de dentes e roupas íntimas também. Desci novamente e peguei o porta retrato que ficava na parede da do escritório de papai, onde estávamos ele, mamãe e eu na entrada do pasto quando ele havia comprado o gado.
   Saí pra fora e andei levemente até o curral, onde minha bela égua estava. Amava cavalgar no campo nas tardes claras e ao final ver o belo pôr do sol na linha do horizonte. Kira era a égua mais bela que eu já vira, e não pelo fato dela ser minha, mas porque eu a vi nascer e nos unimos fortemente, algo que fiz de muito duro na vida foi deixá-la. Sua crina era brilhosa a luz, era branca como a neve mais macia e pura do Alaska, muitos fazendeiros queriam que papai a vendesse, mas ele a deu pra mim. Com lágrimas nos olhos saí do curral e pensei que poderia nunca mais voltar a vê-la, mas dispensei aquele pensamento, pois ai sim seria o que faltava para eu morrer de depressão.
Ao chegar de volta a casa, minhas malas já estavam na sala e minha tia aguardava observando as fotos nas paredes;

--O que vai fazer com a fazenda até eu voltar?
--Amanhã dois empregados que eu contratei virão cuidar dela até você se formar, eu virei pessoalmente fiscalizar ao menos uma vez ao mês.
--Tá bem.

Andei pela casa toda tentando aceitar que não estaria por lá pelos próximos tempos, mas diante da foto de casamento dos meus pais que estava pendurada no centro do sala, eu jurei que um dia voltaria para cuidar de tudo que um dia foi deles. Fomos porta a fora e prestes a entrar no carro, as lágrimas simplesmente caíram pelo meu rosto, senti um aperto no peito tão grande que me doeu na alma, pois de alguma maneira eu sentia que era algo relacionado aos meus pais, como se eles estivessem se despedindo de mim. Então, olhando pra casa do lado de fora, fiz uma promessa a minha tão amada terra.

“Posso demorar, mas por tudo que vivi aqui por tudo que meus pais fizeram aqui, o suor para construir essa casa, para ter essas terras e formar essa família, eu prometo que irei voltar e vou continuar o legado do meu pai, e sempre carregarei no meu coração o jeito doce da minha mãe, o jeito simples e feliz de ver a vida”.

Entrei no carro e pude sentir meu coração rachando no meio. Parte de mim estava indo, mas outra parte estava ficando, então rumo ao aeroporto pensei na minha mente que nada mudaria meus planos de voltar e focar na minha felicidade interior, no futuro profissional da minha fazenda, e teria tudo dado certo, se eu não tivesse conhecido um ser desumano.
Porém, não desumano no sentido ruim, somente na parte relacionada ao desejo, um ser que me provocou estremo desejo e vontade estrema de provar experiências novas, o mais belo e que eu já vira, Benício Vila Real. Jamais pensei que conheceria alguém como ele, mas tudo que aconteceu, só aconteceu pelo fato de eu ter ido estudar naquela maldita escola de gente rica e esnobe.
    Ao embarcar no avião não tive problema algum, pois dormi a viagem toda praticamente, mas meu sono se acabou quando estávamos exatamente pousando. Pela janela pude ver parte do país espanhol, quando pousamos havia uma bela horda de pessoas no aeroporto. Demoramos uma meia hora só pra sair daquele avião, lanchamos por lá e seguimos em um taxi.

Me devaneei tanto pela vista da janela do carro que nem percebi que estávamos chegando, fui me dar conta quando cruzamos a entrada com a bela faixa que dizia:

“Sejam Bem-Vindos ao Futuro”

Mas que pra mim... Significava, Bem-Vindos ao Inferno.

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