Capítulo 1

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"Persiga a sua própria verdade."

Passeei a ponta dos dedos sobre a tinta de linho seca, sentindo a áspera sensação da folha envelhecida. As letras perfeitamente cursivas, os o's lindos e arredondados, alguns traços de tinta borrados fora da escrita, provavelmente feita por uma pena encharcada. Me pergunto, por quanto tempo teria que treinar caligrafia para ter aquela precisão nas letras. Quanto tempo treinaria para ter os O's tão redondos quanto aqueles?

— Féidh, Corra ou vai se atrasar! – Gritou uma voz feminina do outro lado do salão. A voz ecoou pelas paredes, zumbindo até o nódulo da minha orelha, me arrebatando do estado de transe. Fechei as páginas com um único movimento das mãos.

Persiga sua própria verdade. Repeti em minha mente. Gosto de como soa mágico para mim. Como se eu tivesse algum controle da minha vida, alguma forma de conquistar minha própria realidade. Talvez eu esteja tão empenhada em fugir, que eu preferi me alinhar nas histórias ficcionais e fingir ignorância, do que enfrentar aquilo que era verdadeiro.

Girei o livro, sentindo o relevo entalhado na contra capa. O nome do autor; North San Mirion; entalhado firmemente no couro curtido. Não fazia ideia se aquela pessoa ainda andava no mundo dos vivos ou navegava no mar dos mortos, mas não pude deixar de agradecer ao grande Aroth por ter me dado a oportunidade de conhecer a obra de Mirion. De longe, minha obra favorita.

— O remédio Fei! – Insistiu a mulher em um timbre urgente. Bufei, me levantando da poltrona de estofado vermelho, a madeira rangendo abaixo dos meus pés.

Estava em uma biblioteca. Uma enorme e sublime biblioteca, constituído por muitas estantes de madeira que carregavam inumerosos livros em seu encaixe. Uma vez, lembro que decidi contar a quantidade de livros que existiam ali. Mas que, após horas, acabei dormindo, parando no 860 aproximadamente, três quartos da quantia total. Mamãe me buscou no meio da madrugada daquele mesmo dia, preocupada, achando que eu tinha batido a cabeça e derrubado todos os livros. Nós rimos muito depois disso.

Existia uma linha alaranjada da luz do sol saindo da janela no canto mais alto da biblioteca e se entendendo até a madeira opaca abaixo dos meus pés, atravessando a escuridão e iluminando as frestas das estantes. Pequenos grãos de poeira brilhavam flutuando nessa luz. A biblioteca era muito velha e poucos se importavam com a situação daquele lugar. Eu por outro lado, imploraria por uma limpeza diária naquele lugar.

Troquei o peso dos meus pés e coloquei o livro entre meus braços, caminhando até a prateleira mais próxima, uma essencialmente mais importante para mim do que as outras. As extremidades da madeira estavam visivelmente inchadas e quebradiças, mas aguentava suficientemente o peso dos livros de capa grossa. Passei o dedo indicador pela camada fina de poeira dormindo entre as tábuas, averiguando a situação da sujeira. Não era como se eu já não soubesse que meu dedo sairia sujo, mas gostava de fazer aquilo, como um ritual regular, torcendo para que, por algum milagre tenham limpado aquele lugar. Peguei o livro entre meus braços e empurrei um grupo de livros para o lado, colocando gentilmente a obra de Mirion no meio deles, com a lombada virada para mim.

— Féidh!

— Já vou! – Gritei de volta. O som atordoando meus sentidos.

Girei os calcanhares, seguindo em direção a porta dupla no cantinho abandonado da biblioteca, tentando ignorar os corredores de estantes com os pés quebrados, dobradas em uma direção nada natural. Passei a mão pela minha calça larga de seda branca, tentando expulsar as manchas marrom causadas pela poeira. Mas foi em vão, pouco faria diferença, estava tudo sujo mesmo.

Um sorriso instintivo brotou em meu rosto quando pude ver a figura familiar alguns metros longe de mim, apoiada no batente da porta com um de seus ombros. Ela apertava a barra de sua armadura de couro – um hábito que ela costumava fazer quando se sentia entediada ou ansiosa. Sua pele de bronze reluzia, um sinal de quem ficava muito tempo no sol, treinando. Quando seus olhos me encontraram, se desencostou do batente, tocando levemente o pomo da sua espada presa na bainha.

A Raposa e o Corvo. [Romantasia]Onde histórias criam vida. Descubra agora