Naquela época eu era apenas uma adolescente curiosa, corajosa demais para a sua idade, que gritou enquanto foi arrastada pelo próprio pai e, que jurou nunca contar sobre o homem que encontrou embaixo das pedras. Uma garota que passou anos tentando se contentar com o que tinha e falhado, enquanto via seu mundo desmoronar, em busca de respostas, tentando descobrir um pouco mais sobre "Zaren".
E por mais cética eu fosse, acreditava que um homem podia ter asas, e sabia que humanos eram tão arrogantes que o impediu de voar.
Eu podia ser idiota, mas não burra. Nunca. Burra. Eles escondiam mais do que contavam. E em um único momento de clareza, pude descobrir que existia mais no mundo, do que uma simples redoma de metal.
Estava caminhando de volta para a casa. Ferrada, provavelmente, mas satisfeita por ter sido a rebelde que meu pai tanto dizia que eu era. Aquele corvo, afinal, sempre apaziguava meus sentimentos, como água, inundando sujeira envelhecida. Não sabia ao certo se era sempre o mesmo ou se era apenas uma coincidência, mas gostava de acreditar que um corvo, aquele em específico, cuidava de mim.
Quantas vezes já o agradeci por me dar forças? Por estar aqui enquanto eu era estraçalhada pela vida, como um pontinho de luz dentro de um jarro sujo, grovejando, iluminando mais do que eu podia ver.
A noite jorrou vento frio dentro das minhas mangas e eu estremeci dos pés ao ventre. O frio costumava ser reconfortante, isso, antes de se tornar solitário. A noite era sua melhor companheira, e lado a lado, decidiram tornar meus pesadelos um inferno ao qual morar. Grilos cantavam aos pés dos arbustos, saltando até a base de algumas raízes angulosas.
Já era noite, e o inverno mostrava seu despertar próximo ao período triunfante do ano. Em poucos dias, começaria a nevar, e até lá, eu já estaria casada, assombrada com o reflexo do meu ser. Eu seria um demônio esculpido em um vestido branco, com chifres em formato de auréolas de anjo.
Nunca seria guerreira, nem pintora, nem líder de casta como meu pai. Eu seria esposa, e todos tornavam a dizer que aquilo seria o mais longe que eu poderia chegar. Eu gostaria de dizer que estavam errados, mas não estavam.
🪽
- Da próxima vez que fugir assim, Fei, pelo menos me avise para onde você vai.
A voz fina de Adelina era dócil, gentil, mas não sentia compaixão por mim. Acho que, assim como todos os outros, ela me achava uma rebelde. Mas, Line gostava de rebeldes, ela era uma, afinal. Rebelde o suficiente para entrar em uma academia de cavaleiros e sair de lá formada, mesmo sacrificando a relação dela com o único parente que existia na sua vida: Seu irmão.
- Seu pai, ele...
Os dedos bronzeados da mulher passeavam pelos fios ondulados do meu cabelo, desembaraçando algumas mechas bagunçadas. Encarei o reflexo na minha frente; a mulher sentada na cadeira, com os olhos verdes quase mortos. A mecha branca, salpicando ao lado do meu rosto. A pele pálida estava tomando vários tons de vermelho e rosa, vítima de uma água quente, àquela que limpou a sujeira da floresta e empurrou as lembranças para fora de mim, pelo menos, é isso que eu gostava de acreditar. Pisquei, os cílios ruivos caindo de sono.
- Não, meu pai não virá me buscar. - Respondi. - Acho que, como faltam poucos dias para os três irmãos virem, ele não gostaria de me ver mancando durante a recepção.
Adeline engoliu a saliva á seco enquanto pegava a escova prateada ao lado de um amontoado de livros em cima da penteadeira. Minha mente voou para as cicatrizes volumosas em baixo do tecido da minha camisola. Se eu me esforçar, ainda consigo sentir a dor e a ardência das farpas cravando na pele das minhas costas. Antigamente, eu gostava de conta-las para me lembrar de quantas vezes eu teria que me vingar. Contudo, devo ter desistido dessa idéia. Mal me lembro a última vez que as numerei.
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A Raposa e o Corvo. [Romantasia]
FanfictionO que você faria se tudo o que você soubesse, na verdade, fosse uma doce mentira? Féidh foi aprisionada a vida inteira, com correntes invisíveis que lhe prometiam tudo, mas não entregavam nada. Prestes a casar, os segredos escondidos á sete...