A imagem do demônio em pessoa me faz abrir os olhos subitamente. Em meio aos sonhos de uma vida bem-sucedida, a cara de Charlie aparece e me faz acordar.
Eu nunca havia bebido como ontem. Prometi a mim mesma que não faria; mas quebrei o juramento. Espreguiço-me entre os lençóis frescos e procuro o meu celular no criado-mudo ao lado da minha cama.
No entanto, não acho o telefone, nem o criado-mudo. Parece que morrerei antes de sequer lembrar meu nome: as vagas recordações da noite anterior me alarmam.
Não estou no meu quarto.
Sinto o coração palpitar e o estômago queima. Tudo piora, ainda mais, quando sento na cama e olho para o meu corpo, nu. Quem...?
Instintivamente, puxo o primeiro pedaço de tecido diferente dos lençóis e visto, não tendo tempo para analisar ─── inútil pois, seja lá quem for, já viu tudo de mim. Apesar do sono, meu coração bate forte, impedindo que a vontade de dormir retarde meu raciocínio. Portanto, com os olhos quase fechando, abaixo a cabeça e olho para a camisa azul depois de vestida.
A palavra "Itália", junto do símbolo do time de futebol, me encara de volta, atestando o que aconteceu. Todo meu corpo pesa assim que ouço pesada atrás de mim seguida de um murmúrio, sinalizando que acordou.
Não, não, não... qualquer um, menos ele, qualquer um menos ele. Por favor, Deus, eu nunca pedi nada. Walker, Aryan, Dior, Austin... qualquer um menos ele. Que não seja o demônio, que não seja o demônio... que não seja o capeta!
─── Caiu da cama, ruivinha?
Puta que pariu.
A voz arrastada de sono o entrega. Fecho a cara imediatamente e bufo. Contenho-me para não virar para trás e pular no seu pescoço à medida que volto meu corpo em sua direção. Haja sanidade, haja sanidade. Tento achar uma paz interior incapaz de ser encontrada e trinco os dentes.
─── Me perdoa, senhor, me perdoa... ─── sussurro de olhos fechados, o corpo estático e os punhos cerrados.
─── O quê?
─── O demônio passou a noite comigo, tô pedindo perdão pela blasfêmia ─── digo, a voz suave, enquanto tento parecer calma, mas falho miseravelmente.
─── Blasfêmia?
─── E não é assim que você e o seu chefe chamam isso lá no lugar de onde você veio? ─── Disparo e levanto, afastando-me mais da cama. Em seguida, olho para ele outra vez.
Apoio a mão direita na cintura e o encaro pelos fios de luminosidade enviados pelas frestas da janela. Sinto que perder o réu primário não é tão ruim quando percebo que a camisa é dele, não minha.
─── Ótimo ─── pigarreio. ─── Agora vou precisar tomar banho de sal grosso para limpar meu corpo!
─── E que corpinho... ─── insinua, com um sorrisinho vagabundo no rosto.
─── Cala a boca! ─── Exclamo. Faço uma pausa, boquiaberta, incrédula e balanço a cabeça ao flagrá-lo encarando minhas pernas. Tento achar algo para me esconder, mas a frase vem novamente na minha cabeça. Ele já viu tudo de mim. ─── Ou eu juro por Deus, Bushnell, que corto sua cabeça!
Seus olhos erguem-se para os meus, enquanto apoia o corpo em um dos braços e curva os lábios em um sorriso convencido.
─── Engraçado. Você diz isso, que me odeia, quer me matar... mas gemeu várias vezes pra mim ontem. ─── Retruca, sem vergonha alguma na cara. Se a versão tímida de Charlie já faz meu sangue ferver, o lado cara de pau é mil vezes pior.
Ignoro-o e começo a juntar minhas roupas, quando as acho; a calcinha em frangalhos, o sutiã com arames tortos e o vestido branco bordado com morangos amassado. Apenas de pensar nas loucuras que fizemos enquanto bêbados, meu estômago embrulha.
Quero culpá-lo, dizer que a causa da minha desgraça é ele, mas não posso, a julgar pelas marcas visíveis pelo seu corpo. Eu também participei.
─── Quem começou com essa palhaçada? ─── Consigo perguntar, enquanto me visto. ─── Quem teve a ideia para eu acabar nessa batcaverna horrorosa?
─── Não exagera ─── Charlie revira os olhos. ─── Com certeza os arranhões não eram você pedindo para eu parar ─── o ator me olha de um jeito adorável que, se não fosse ele, eu adoraria. ─── Mas foram os dois, se responde a pergunta.
─── Meu Deus! ─── Choramingo. ─── Eu não lembro de nada! ─── Coloco as mãos sobre a cabeça e olho para os lados.
No mesmo instante, um fato importante recai sobre minha cabeça: a festa era na casa dele; aceitei ir porque Dior insistiu a ponto de aparecer no meu apartamento. Eles ainda estão aqui.
Começo a revirar a bagunça, em busca do meu celular, mas não encontro em lugar algum.
─── Você vendeu seu celular ontem ─── ele afirma.
Arregalo os olhos e controlo o impulso de gritar. Ninguém pode saber que estou aqui, nem desconfiar do que aconteceu. Ou estou ferrada.
─── Como?
O tom sereno parece assombrá-lo mais do que estava alterada. Charlie limpa a garganta e senta sobre os lençóis exibindo o abdômen trincado. Desgraçado.
─── O Walker disse que queria virar cafetão, então você se ofereceu para ser patrocinadora ─── explica, a voz ainda arrastada e faz uma breve pausa. ─── Aí, você fez um leilão com seu celular para investir no cabaré dele.
Meu Deus. E tudo isso porque resolvi beber. Transei com o funcionário do mês no inferno, estou patrocinando um puteiro e vendi meu celular. Não. Tem. Como. Ficar. Pior.
─── Isso é tudo culpa sua! ─── Branco e arremesso a camisa azul contra ele.
─── Minha culpa? Ninguém transa sozinho, Maxine! ─── Retruca, indignado. Levanta-se apenas com a bermuda preta e desvio o olhar. ─── Vamos, admite que foi bom. Diz que você gostou e morre o assunto.
─── Isso nunca rolou. ─── Peço mentalmente aos céus para minha amnésia não curar e eu não reviver o ato. ─── Agora, o assunto morreu.
Charlie ri e passo a procurar outra coisa: o celular dele. Vou até o rapaz e arranco o objeto esquecido no bolso.
─── Deixei? ─── Pergunta, de braços cruzados e sobrancelhas erguidas.
─── Sério que esse é o maior dos seus problemas? ─── E isso me faz ter ainda outro ponto de memória: ─── Camisinha?
─── Of course, baby ─── ironiza, sorrindo cinicamente.
─── Baby é a minha mão na sua cara ─── jogo o celular contra a cama. ─── Agora, paixão ─── ele semicerra os olhos, entendendo o sarcasmo antes de sua morte. ─── Você vai tirar suas patinhas sujas daqui, olhar lá fora e checar se eu posso sumir dessa caverna sem ser vista.
─── Ei! ─── Protesta. ─── Minha caverna é muito limpa, ok? ─── Ele veste a camisa e marcha em direção à porta. ─── Nunca fui tão destratado na minha vida.
Ele abre a porta e olha para os lados. Depois, volta e suspira.
─── Se eu fosse você, iria enquanto todo mundo tá dormindo ─── afirma, encostando a porta para falar comigo.
Sem pensar duas vezes, escancaro a porta do seu quarto e saio, sem despedir-me ou olhar na cara dele.
Definitivamente, não vou mais beber.
VOCÊ ESTÁ LENDO
𝗪𝗔𝗥 𝗢𝗙 𝗛𝗘𝗔𝗥𝗧𝗦 「𝗖𝗛𝗔𝗥𝗟𝗜𝗘 𝗕𝗨𝗦𝗛𝗡𝗘𝗟𝗟」
Fantasy「𝗪𝗔𝗥 𝗢𝗙 𝗛𝗘𝗔𝗥𝗧𝗦 」― ★ . O preço de ter bons amigos é precisar conviver com Charlie Bushnell, considerado por Maxine, seu espírito obsessor ou, como por ela dito, funcionário do mês no inferno. Mas à medida que tenta se afastar do...