Até fugir de Healdsburg, antes mesmo de fazer dezoito anos, minha vida sempre foi instável... e a culpa é da bebida. Claro que não espanquei a minha enteada, ou convenci minha esposa depressiva a passar a casa para o meu nome, mas o álcool não me deixou isenta de fazer cagada.
Além disso, ainda preciso lidar com a amnésia que, por Deus, desejo que seja para sempre. Mas também não posso ignorar o fato de que o Bushnell lembra de mais coisas e finge que não. Mesmo assim, eu não estava preparada para a lufada de lembranças invadir-me por completo, quando ele chegou à praia junto de Walker e Aryan.
Embora tenha fingido não lembrar, seus olhos negros brilharam quando me enxergaram e isso foi o bastante para confirmar minha teoria; foi um erro, irreversível. E eu o odeio ainda mais por isso.
Continuo olhando para o mar, observando os outros brincarem enquanto finjo ter superado o que aconteceu há duas noites. Mas meu coração bate três vezes mais forte quando capto-o sem querer.
Merda de vida.
Charlie corre de um lado para o outro, pula na água como uma piranha e cumprimenta todas as garotas que passam ─── um galinha. Ok, talvez seja por conta da fama, mas isso não o deixa menos culpado de ser mulherengo. Aquele...
Walker se aproxima, então, encharcado, e senta na toalha de Leah, que saiu para comprar sorvetes com Dior e a namorada de Aryan, Ellie.
─── Ela vai te matar se te ver aí ─── digo.
─── É tão boa em disfarçar quanto as fãs que fingem não me conhecer ─── ironiza e olha para mim, mudando rápido de assunto.
Encaro-o, fingindo estar confusa com a acusação, mas é óbvio que ele não cai.
─── Charlie ou Austin? ─── É sutil na escolha de palavras, mesmo não hesitando em perguntar.
─── Do que está falando? ─── Ainda finjo não ter ideia do que está querendo dizer.
─── Max, você não confia em mim?
─── Que pergunta idiota é essa? ─── Retruco prontamente. A resposta é clara e ele sabe disso, mas eu também sei aonde ele quer chegar. Suspiro. ─── Se eu contar, você afoga ele?
─── Não ─── responde suave, enquanto observa Charlie e Austin, um amigo de Leah que virou nosso amigo também, em meio a uma guerra de água. ─── Se for Austin, Leah me mata, se for Charlie, todos me matam.
─── Ele merece depois de me chutar do quarto dele e fingir que tem amnésia no outro dia ─── resmungo, enquanto faço o mesmo que ele e tento evitar o impossível: mirar em Charlie, segundo a segundo para poder assistir a luta.
Walker ri. Gargalha. A ponto de apoiar as mãos na barriga e rolar na areia, saindo de cima da toalha e se livrando por instantes do instinto assassino de Leah.
─── O que deu a ele? ─── Dior pergunta, aproximando-se junto das outras meninas.
Sacudo os ombros e não respondo. Como explicar?
Leah lança um olhar malicioso e Aryan se aproxima com um sorriso no rosto. As mensagens. Não vi as notificações e nem considerei a possibilidade de a fofoca já estar rolando entre eles.
A ficha começa a cair.
Ninguém me viu sair do quarto de Charlie, mas isso não significa que não me viram entrar. Puta que pariu.
Ranjo os dentes. A atenção de Charlie já está sobre mim quando o encaro, prestes a cometer um crime de ódio. A história já pode ter chegado aos nossos amigos com detalhes minuciosos e desnecessários. Eu o mataria, se isso não passar de hipótese. Seu olhar inocente, no entanto, permanece intacto, enquanto troca rajadas de água com Austin.
─── Olha... ─── levanto-me e pego uma das garrafas ainda cheias de água. ─── Eu nunca mais confiaria em você, se contasse que não foi sem querer... ─── olho de soslaio para o loiro encaracolado.
─── Max, o que você...
Apenas a garrafa não vai matar Charlie, infelizmente. Portanto, sob os olhos incrédulos e descrentes de todos os amigos perto, arremesso o objeto com toda a força. Quando o ator menos espera, a garrafa bate contra sua cabeça e o assusta imediatamente.
Ele fulmina Aryan com o olhar, mas não é preciso mais do que cinco segundos para perceber de onde veio o ataque. Cinco segundos para seus olhos acusatórios cheguem em mim.
Dior franze a testa. Aryan segura o riso. Leah alterna entre nós dois, sorrindo, e Walker sequer tenta disfarçar as gargalhadas.
Os olhos de Charlie cintilam em minha direção à medida que flexiona a mandíbula na tentativa de não falar merda. Não estamos sozinhos e ainda há pessoas na praia, estas que passam sem nem tentar disfarçar os olhares sobre o Bushnell. Mas o espaço público não limitou nossos olhares de ódio durante o dia todo, mais dele do que meus.
O Scobell olha para mim. As meninas sentam nas suas toalhas e Aryan junto à Ellie.
─── É agora que vocês se beijam? ─── Sorri, fingindo pensar. ─── Calma, calma, calma... isso já rolou, né? ─── Sussurra, para que apenas eu ouça.
─── Não deveria ter te contado ─── resmungo.
─── Não mesmo ─── levanta e corre, quando me vê pegando e amassando outra garrafa de plástico, esta vazia.
Se joga na água e leva Austin e o outro junto. Quando olho para o lado, as meninas me olham com curiosidade e na ponta da língua de cada uma, é possível ouvir sem nem mesmo que falem, perguntas sobre minhas motivações da vez, ou o que havia acontecido de fato. Se realmente não sabem, não queiram saber.
─── Não ─── deito sobre a toalha verde e coloco os óculos de sol, enquanto desta vez, passo a mirar apenas sobre o céu azul. ─── Ainda tô superando.
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𝗪𝗔𝗥 𝗢𝗙 𝗛𝗘𝗔𝗥𝗧𝗦 「𝗖𝗛𝗔𝗥𝗟𝗜𝗘 𝗕𝗨𝗦𝗛𝗡𝗘𝗟𝗟」
Fantasía「𝗪𝗔𝗥 𝗢𝗙 𝗛𝗘𝗔𝗥𝗧𝗦 」― ★ . O preço de ter bons amigos é precisar conviver com Charlie Bushnell, considerado por Maxine, seu espírito obsessor ou, como por ela dito, funcionário do mês no inferno. Mas à medida que tenta se afastar do...