A solidão é o único estado que conheço. Não me importo com o silêncio que me envolve em Sedona; ele me protege. Mas, ao mesmo tempo, é uma corrente que me mantém presa, uma prisão invisível, mas inquebrável. Minha maldição me afasta das pessoas, das emoções, e até de mim mesma.
Há muito tempo, sentir algo, qualquer coisa, tornou-se um fardo impossível. Desde que meu coração se tornou uma pedra de Obsidiana, perdi a capacidade de me conectar com o mundo ao meu redor. Eu deveria lamentar isso. Eu deveria sentir saudade. Mas não posso. Não mais.
Aqui, nas montanhas vermelhas de Sedona, entre os vórtices de energia e as rochas que parecem carregar segredos antigos, encontrei um refúgio. As pessoas vêm e vão, e eu permaneço, intocável, invisível. Cada pôr do sol é uma repetição do anterior. E eu assisto, sentindo o vazio.
Hoje, o céu tem uma tonalidade de laranja profundo, quase sangrento. O vento acaricia meu rosto, mas eu não sinto nada além do toque frio da minha própria indiferença. Estou no ponto mais alto do Cathedral Rock, onde a energia do vórtice flui com mais intensidade. Por um breve momento, fecho os olhos e tento me perder na sensação, como faço todos os dias.
Mas então, algo muda.
Uma presença diferente se aproxima. Uma energia que não reconheço. Não a natural das montanhas, nem a espiritual dos turistas que buscam paz. Não, isso é mais... intenso. Humano, mas com uma força subjacente que me chama a atenção de uma forma que há séculos eu não experimento.
Viro-me lentamente, e o vejo.
Ele está parado ali, observando o horizonte, mas seus olhos logo encontram os meus. O vento bagunça seus cabelos castanhos, e seus olhos — de um azul profundo, como o oceano que nunca mais vi — me analisam com curiosidade. Ele não tem medo. E isso me deixa... nervosa? Não, não posso me sentir nervosa. Mas há algo dentro de mim, algo que eu não consigo nomear, que começa a se agitar. É tão sutil que eu quase o ignoro. Quase.
Ele começa a caminhar em minha direção, seus passos firmes e determinados. Um homem qualquer teria hesitado ao ver uma mulher sozinha em um lugar tão isolado. Mas não ele. Ele vem, como se soubesse que eu estava aqui, esperando por ele.
Eu deveria virar as costas. Ignorá-lo. Mas algo — algo que não posso explicar — me prende ali.
— Eu... desculpe, não queria interromper — ele diz, sua voz profunda e cheia de hesitação. — Estava subindo a trilha e vi você... sozinha. Achei que talvez você conhecesse o lugar.
Por que ele está falando comigo? De todas as pessoas que passaram por mim ao longo dos anos, ninguém nunca se atreveu a se aproximar assim. E, no entanto, ele parece estar à vontade. Como se, de alguma forma, estivéssemos destinados a nos encontrar aqui.
— Conheço bem o lugar — respondo, mantendo minha voz fria e distante, uma armadura que me protege de qualquer conexão. — É um ponto de energia poderoso. Muitos vêm aqui para sentir o que as palavras não podem descrever.
Ele sorri, um sorriso tímido, mas que faz algo dentro de mim se agitar novamente. O que é isso? A sensação é vaga, quase imperceptível, mas está lá. Um eco distante de uma emoção perdida.
— Exatamente o que eu estava procurando — ele diz, sua voz agora mais confiante. Ele olha ao redor, absorvendo a paisagem como se estivesse vendo algo além do que os olhos podem capturar. — A energia daqui... é diferente, não é? Não sei como explicar, mas é como se algo... me chamasse.
Meu coração — ou o que resta dele — dá um leve salto. Uma reação involuntária, mas que não posso ignorar. Ele está sentindo algo, algo que não deveria ser possível. Ele sente a magia ao nosso redor, mesmo que não tenha consciência disso.
— A energia de Sedona é única — murmuro, desviando o olhar. — Mas nem todos estão prontos para o que ela revela.
Ele não deveria estar aqui. Algo sobre ele me deixa em alerta, uma sensação de que estou à beira de algo perigoso. Mas ao mesmo tempo, sinto uma atração inexplicável. Algo que há muito tempo pensei ter perdido. Não é amor, não é desejo... é uma conexão que desafia minha lógica. E isso me assusta mais do que a própria maldição.
— Eu me chamo Ethan — ele diz, tentando quebrar a barreira invisível que coloquei entre nós. — Ethan Carter.
O nome dele ecoa em minha mente. Ethan. Um nome simples, comum até, mas que carrega uma estranha familiaridade. Como se eu já o conhecesse de algum lugar, algum tempo.
— Melan — respondo, quase contra minha vontade. — Meu nome é Melan.
Ele sorri novamente, e eu sinto uma pequena rachadura na armadura que construí ao redor de mim. Por que eu estou me abrindo assim? Por que ele não sente medo, ou ao menos, desconforto? Eu deveria afastá-lo, mas, em vez disso, algo dentro de mim quer mantê-lo por perto.
— Sabe, Melan — ele diz, com uma confiança calma. — Eu vim aqui por causa de algumas pesquisas. Trabalho com arqueologia, especialmente relacionada a artefatos antigos. E algo me trouxe para cá... algo que eu não consigo explicar. Sinto que estou no lugar certo, mas ainda não sei o porquê.
Eu quase recuo com suas palavras. Ele está envolvido com algo maior. Algo que pode estar relacionado à minha maldição, à Obsidiana. Não pode ser coincidência. Eu deveria me afastar agora, enquanto ainda posso.
— Talvez você tenha encontrado mais do que esperava, Ethan Carter — digo, forçando um sorriso nos lábios, um gesto que raramente faço.
Ele não sabe. Ele não faz ideia do que está entrando. Mas eu sinto que, de alguma forma, estamos ligados. E isso me aterroriza.
A brisa sopra entre nós, e por um breve momento, o silêncio diz mais do que qualquer palavra. Algo mudou. Algo está diferente.
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Obsidiana
FantasySinopse: Melantha, conhecida como Melan, é uma bruxa amaldiçoada com um coração de Obsidiana - uma pedra antiga e poderosa que lhe concede habilidades imensuráveis, mas ao preço de sua humanidade. Incapaz de sentir amor, alegria ou qualquer emoção h...