Aelin Galathynius podia contar mil e um fatos sobre si mesma caso algum jornalista fizesse a famosa pergunta que faziam para os novatos sob os holofotes: "me conte um pouco mais sobre você".
Então Aelin contaria que era a filha única de pais amorosos, que tinha uma cachorra chamada "Ligeirinha" e dois melhores amigos que podiam muito bem ser considerados seus irmãos: Sam e Fenrys.
Contaria que era obcecada por moda, que seu sabor favorito de bolo era chocolate e que já tinha batido em Sam por ele ter usado o sabonete de lavanda dela sem sua permissão.
Céus, Aelin contaria que aprendeu a tocar piano com dez anos de idade, que era obcecada por livros de romance e que acidentalmente tinha quebrado sua mão direita com doze anos de idade ao cair do telhado de sua casa.
O que ela não podia contar era a única coisa que a definia como pessoa. Como filha, como amiga e como amante da vida: o seu nome.
Para todos os efeitos, Aelin Galathynius estava morta. Celaena Sardothien era a mulher que movia sua mão em um aceno treinado; que ria nas entrevistas e subia em todos os palcos, fazendo milhares de fãs surtarem com suas escolhas de roupas e mudanças na setlist.
Aelin havia morrido quando Celaena pisou em Nova Iorque pela primeira vez, tão nova e tão desesperada para se tornar alguém no mundo da música. Os flashes desesperados de paparazzi só serviam para alimentar um buraco fundo dentro de seu peito que urrava por mais; que urrava por ser amada e admirada.
Era um sonho infantil, um com o qual ela estava acostumada a compartilhar com Sam quando nem mesmo tinha altura suficiente para brincar no playground da escola: Aelin queria ser uma cantora famosa. Queria escrever álbuns cativantes, com ritmos felizes e letras que fariam as pessoas se surpreenderem com a forma com a qual ela conseguia engarrafar tantos sentimentos em poucos minutos.
Então os dois faziam shows imaginários na sala da casa dela, escolhendo a dedo músicas que combinavam com a sua voz enquanto Sam fingia ser um baterista radical, jogando o cabelo para o lado como se tentasse conquistar meninas invisíveis.
É claro, ele tinha abandonado essa vontade junto com todos os seus outros sonhos infantis, se dedicando a uma vida no ramo culinário e virando o melhor chef de cozinha que ela conhecia - e Aelin entendia muito de comida.
Seu restaurante era um dos mais bem avaliados de sua cidade natal e ele já tinha recebido diversos prêmios por pratos inéditos que havia inventado.
Na visão dela, ambos eram muito sortudos por estarem em posições tão boas na vida, mas ele insistia em dizer que ela ter realizado um sonho tão monumental a tornava a mais sortuda de todos.
Ela sabia que não tinha sido a sorte que a havia colocado naquele lugar, assim como ele também sabia o quanto ela sempre se esforçou em aulas de canto e na produção de músicas descartadas, mas a improbabilidade de sua vida estar sendo amplamente divulgada nas redes tornava a situação simplesmente inacreditável.
Ainda assim, mesmo reconhecendo todo seu esforço, Aelin não conseguia evitar agradecer sua estrela da sorte de alguma forma; agradecer todos os espíritos e almas que a colocaram naquele lugar e que guiaram o seu caminho; agradecer aos céus por conseguir se dedicar ao ponto de escrever até que seus dedos doessem; agradecer pela oportunidade e por conseguir fazer todo o seu esforço valer a pena.
Ela sabia que a sorte era uma criança traiçoeira e que nunca poderia confiar totalmente nela, mas não conseguia discordar de Sam quando via estrelas do cinema sentadas na sua frente em eventos; quando subia num palco e via milhares de pessoas sorrindo em sua direção; quando via o seu nome nos trending topics do Twitter e percebia que sua base de fãs aumentava mais a cada dia.
Aelin Galathynius - Celaena Sardothien - era uma mulher sortuda.
Uma mulher muito dedicada e esforçada, é claro, mas muito sortuda também. Pelo menos até o momento em que a sorte, assim como uma criança, mostrou todos os truques que tinha sobre a manga.
A sorte mostrou sua verdadeira face na forma de um perseguidor que invadiu sua casa e a observou por horas enquanto dormia. A sorte mostrou sua verdadeira face quando, mesmo rodeada de centenas de rostos familiares, Aelin sabia que não conhecia ninguém de verdade - que estava sempre sozinha em uma sala cheia de gente famosa.
Todos conheciam Celaena, não Aelin. Conheciam a máscara que ela vestia todos os dias, mas nunca seu coração.
A sorte se mostrou traiçoeira quando uma página de fofoca divulgou todas as informações pessoais sobre a vida de Aelin - informações essas que foram divulgadas por pessoas que ela considerava serem seus amigos.
Mas ela deveria saber. A sorte não trazia amizades consigo.
Do dia para a noite, Aelin deixou de se sentir como ela mesma. Do dia para a noite, ela não era mais aquela menina que amava bolos de chocolate e sair para passeios com a família.
Do dia para a noite, Aelin havia se tornado Celaena Sardothien, a estrela do pop amada por muitos e odiada por muitos mais.
Ela havia se tornado um número. Uma estatística. Alguém que as pessoas paravam na rua para tirar foto, mas não se davam ao trabalho de cumprimentar.
Do dia para a noite, não se sentia mais tão sortuda. A palavra já trazia um gosto amargo até sua boca.
Ela se sentia usada: um produto da mídia que só servia para ser comercializado. Um produto maquiado e colocado em promoção; empilhado na borda da prateleira, competindo com outros produtos idênticos para serem consumidos pelo público.
Aelin - se é que ela ainda podia se referir a ela mesma dessa maneira - passou a não reconhecer mais o rosto que olhava para ela no reflexo do espelho. Os olhos que a miravam eram os mesmos, mas algo em sua alma estava diferente. Uma pessoa diferente olhava para ela em resposta.
Celaena olhava para ela no reflexo e ela se perguntava, honestamente, se seria capaz de sobreviver ao estilo de vida que levava. Se algo verdadeiro ainda existiria dentro dela depois de tantos anos sob os holofotes, ou se Aelin Galathynius morreria para sempre, tornando-se somente uma mentira na vida da grande Celaena Sardothien.
De certa forma, ela teve sua resposta. Sim, até mesmo para isso - para respostas inesperadas vindas do universo - Aelin era uma mulher muito sortuda.
É claro, ela não foi sortuda quando seu nome foi arrastado para uma narrativa cheia de polêmicas e cancelamentos, muito menos quando toda a internet decidiu acabar com a sua carreira. Ela não foi sortuda quando um cantor gravou uma ligação com ela e distorceu suas palavras na frente do mundo inteiro.
Entretanto, redescobriu a sorte quando desapareceu da mídia e encontrou a verdadeira paz interior. Redescobriu a sorte quando teve a oportunidade de mergulhar em sua alma e escrever músicas longe de tudo e todos, durante mais de dois anos passados longe dos tabloides.
Melhor ainda, Aelin redescobriu a si mesma. A loira agora sabia o seu nome, sabia quem era e sabia todos os motivos pelos quais acordava de manhãs. Sabia que Celaena era uma parte dela, mas nunca a definiria como pessoa.
Por sorte, neste período de tempo, pôde descobrir o amor quando nem mesmo sabia amar a si mesma. Pôde encontrar alguém que via cada pedaço dela e que não tinha medo da sua fama ou do que significava estar com Aelin.
Mais de dois anos depois de desaparecer das redes, a reputação de Celaena havia mudado. Seu nome havia sido arrastado pela lama e sido dado de comer aos porcos, mas ela havia achado uma válvula de escape no próprio ato de escapar.
Agora seu nome estava de volta nos holofotes, com um álbum quebrando todos os recordes de venda e fazendo a maior turnê da história da humanidade.
É, Aelin reconhecia seu esforço e todo o suor e lágrimas que derramou para chegar aonde chegou, mas não podia negar que, de certa forma, era uma mulher sortuda.
'Cause now my name is up in lights
But I think you got it right
Let me tell you now, you're the lucky one
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The Lucky One.
FanficPara todos os efeitos, Aelin Galathynius estava morta. Celaena Sardothien era a mulher que movia sua mão em um aceno treinado; que ria nas entrevistas e subia em todos os palcos, fazendo milhares de fãs surtarem com suas escolhas de roupas e mudança...