Noite de Ano Novo - Érica

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Lady, runnin' down to the riptide
Taken away to the dark side
I wanna be your left hand man
I love you when you're singin' that song and
I gotta lump in my throat 'cause
You're gonna sing the words wrong RiptideVance Joy





Parte I



Às vezes, gosto de fingir estar em um programa de streaming. É meio ridículo, eu sei. Mas foi a forma que encontrei para me adaptar. "Sorria, Érica". "Fale alguma coisa". "Interaja com o público". Pequenos comandos que dou a mim mesma todos os dias. É cansativo às vezes. Mas a única forma de me adaptar, ou pelo menos, de me sentir parte de algo.

Faço isso desde criança, não me lembro exatamente quando e nem como começou. Mas me lembro de fazer isso no primário, quando os professores soltavam todas as crianças no playground da escola. Eu gostava de imaginar o ambiente como uma selva, igual aqueles programas do Animal Planet que meu pai assistia. Foi assim que conheci minhas duas melhores amigas.

Elas estavam de pé em frente a uma casinha de madeira. Isabelle, com seus longos e grossos cabelos escuros, chorava sem parar. Lolita, um pouco mais baixa que Isabelle, na ponta dos pés tentando alcançar uma mecha de cabelo da menina. Eu me aproximei devagar, dizendo para mim mesma. "Sorria Érica". "Fale alguma coisa".

— Uma abelha. — Loli respondeu, antes que eu conseguisse formular uma frase. — Ela odeia abelhas.

Isabelle tinha um olhar assustado. "Sorria". "Seja legal". Mas mesmo com meus comandos, meu cérebro não conseguiu pensar em nenhuma frase de conforto, então eu só segurei sua mão. Ela apertou meus dedos com força, até as pontas ficarem esbranquiçadas. Eu apenas fiquei lá, ao seu lado, até Lolita conseguir tirar a abelha e soltá-la para longe.

Tínhamos oito anos. Nossa amizade começou naquele exato momento. Mas, mesmo depois de tantos anos, ainda me sinto como uma intrusa entre elas. A amizade delas vem de muito antes. As mães eram melhores amigas, engravidaram quase que na mesma época. Elas tem fotos juntas bem antes de nascerem, ainda nos ventre. Eram inseparáveis, e em alguns aspectos, eram até iguais.  E eu, bem. Era eu. Nunca tive nada de interessante.

Meu celular vibra fazendo o colchão da cama tremer. Me sobressalto, voltando de minhas memórias. Respiro fundo soltando o ar devagar. Não preciso olhar para as notificações para saber quem é. Descruzo minhas pernas e pauso meu notebook. Falta tão pouco para terminar esse episódio de E.R - Plantão de Emergência.

Ponho meu saco de salgadinhos de lado e me estico para alcançar o celular. Me arrepio com a sensação do tecido da colcha em minhas unhas. Olho para a tela do celular. 20H00, Lolita disse que chegaria às 20H30. Tem muitas mensagens dela na barra de notificações. Nenhuma de Isabelle. O que significa que talvez ela ainda esteja chateada comigo.

Abro minhas redes sociais. Não sou muito fã de me expor igual minhas amigas. Lolita posta toda sua vida na internet, e as pessoas adoram isso. Ela é como um livro aberto. Isabelle é mais reservada, mas não fica muito atrás. Na aba de melhores amigos, ambas postam coisas que deixariam a população normal de cabelos em pé. Mas como só nós três temos acesso, é uma forma de sabermos o que cada uma está fazendo e onde está. Essa ideia foi de Lolita, depois de um encontro desastroso com um cara mais velho.

Aperto na foto de Lolita. Inúmeras fotos aparecem, uma após a outra. A última é um vídeo dela voltando para casa, pedalando em sua bicicleta amarela. Isabelle tem poucas fotos do dia de hoje. Passo rápido pelas primeiras, mas volto quando vejo uma foto em família. O pai dela está na cidade. Isso explica seu sumiço. Suspiro um pouco aliviada. Miro a câmera do celular em direção a minha cama com o notebook aberto na série pausada. Envio a foto para que elas saibam que logo estarei me aprontando para sairmos.

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